Chuvas torrenciais, acesso à terra e as escolhas do poder público

O poder público deve fazer cumprir a legislação ambiental e não obedecer aos ditames dos interesses econômicos do mercado

Nas últimas semanas, as principais matérias na imprensa tratam das enchentes, alagamentos, deslizamentos de encostas e do volume enorme de chuvas em períodos muito curtos. Não se trata de nenhuma novidade, porém estes fenômenos que até há alguns anos eram raros, tornaram-se frequentes.

Precisamos tratar deste tema levando em consideração diversos aspectos para pensarmos em alternativas para minimizar os efeitos das chuvas torrenciais. As mudanças climáticas começam a ser percebidas de forma mais nítida nos últimos anos.

Hoje vivemos um aquecimento rápido e sem precedentes na história das atividades humanas, principalmente devido à queima de combustíveis fósseis que geram emissões de gases de efeito estufa. O chamado “efeito estufa”, o desmatamento e as queimadas trazem alterações climáticas drásticas, com temperaturas extremas, de calor e frio intensos em diversas regiões do planeta. As chuvas torrenciais também compõem este cenário. A última década (2011-2020) foi a mais quente já registrada, hoje a temperatura da Terra está 1,1°C mais alta que no final do século XIX.

Outro fator importante que leva as populações mais pobres a fixarem suas moradias geralmente em regiões mais propensas a alagamentos e deslizamentos de encostas é a desigualdade social. Além de uma concentração de renda enorme em nosso país, os baixos salários e o desemprego excluem grande parte da população do direito à habitação. Salvo raras exceções, o poder público não desenvolve programas de habitação popular. A especulação imobiliária que eleva o preço da terra nos grandes centros urbanos, impede que os mais vulneráveis tenham acesso à moradia.

As margens de rios, os fundos de vale e as encostas de morros acabam sendo as únicas alternativas de moradia e os mais pobres são os primeiros a serem atingidos quando ocorrem as enchentes.

É importante que se aborde outro aspecto: a impermeabilização do solo nas áreas urbanas. A ocupação de grande parte das cidades por moradias, comércios, indústrias, pavimentação asfáltica e calçadas leva à impermeabilização do solo.

Ao longo dos anos, pequenos córregos se transformaram em rios em Curitiba. Podemos citar o Ribeirão dos Padilhas que era um pequeno córrego e hoje é um rio com grande volume de água. A água da chuva que era absorvida pelo solo passa a escoar rapidamente pelas galerias pluviais, ruas pavimentadas e calçadas e quando ocorrem chuvas torrenciais os alagamentos acontecem muito rápido, os prejuízos são enormes e a vida das pessoas é colocada em risco.

Obras de limpeza e contenção do Ribeirão dos Padilhas, Bairro Novo. Foto: Levy Ferreira/SMCS.

Deslizamentos de encostas em diversas regiões do Brasil, como no Rio de Janeiro e em Recife, são eventos muito frequentes. Podemos elencar ainda, grandes alagamentos em diversas cidades brasileiras como São Paulo, Belo Horizonte, entre outras. Curitiba também tem sofrido com as enchentes, apesar de ter grandes áreas verdes preservadas, estas não são suficientes para absorver as águas de chuvas torrenciais. Cabe ressaltar ainda que várzeas e charcos são ambientes muito presentes em Curitiba e Região Metropolitana, são áreas de preservação permanente que funcionam como esponjas, auxiliando no controle de cheias e amortecimento da vazão dos rios. Porém, ao longo de décadas foram aterrados ou explorados para a extração de areia, o que também potencializa as enchentes.

O poder econômico também define a ocupação das cidades, historicamente garante aos grandes empreendimentos acesso a áreas que deveriam ser preservadas. Podemos citar o exemplo do Shopping Barigui que obteve autorização para construção do prédio às margens do Rio Barigui, numa região de várzea que tem justamente a função de fazer o controle de cheias. As margens de rios não são adequadas para moradias, assim como não são para a construção de shoppings ou outros empreendimentos.

O poder público deve fazer cumprir a legislação ambiental e não obedecer aos ditames dos interesses econômicos do mercado. Uma gestão com uma visão sistêmica, pode ao mesmo tempo em que recupera os ambientes já em degradação, promover a manutenção da qualidade ambiental e garantir moradia digna para a população preservando a vida das pessoas.

Barracão, 1953 – Autores: Luis Antonio e Oldemar Magalhães

Vai, barracão
Pendurado no morro
E pedindo socorro
À cidade a teus pés

Sobre o/a autor/a

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