Casas de Passagem Indígenas e o respeito aos direitos dos povos originários

Assim como o povo negro e os povos tradicionais, há dívidas históricas com os povos originários

A Casa de Passagem Indígena em Curitiba foi criada em 2015, era um espaço destinado ao acolhimento de famílias indígenas, geralmente formada por núcleos familiares com mães, crianças e adolescentes. Estes grupos chegam a Curitiba com o objetivo de vender o artesanato produzido em suas aldeias. Como não existia nenhuma política pública pensada para esta realidade, a rua acabava sendo o único local para estes grupos permanecerem, durante o dia vendiam o seu artesanato e à noite era o espaço que lhes restava para tentarem descansar.

Por que afirmo que não existia política para esta realidade? Porque quando a Fundação de Assistência Social de Curitiba (FAS) fazia as abordagens para acolhimento, propunha que adultos fossem para espaços já existentes, os quais acolhem adultos em situação de rua e que as crianças e adolescentes fossem encaminhadas para os abrigos destinados a estas faixas etárias em situação de vulnerabilidade.  Obviamente havia a negativa por parte das famílias pois na cultura dos indígenas, crianças, jovens e adultos participam de todas as atividades do grupo e certamente nenhuma mãe, mesmo em nossa cultura, gostaria de separar-se de seu filho.

Somente a partir da intervenção do Ministério Público do Paraná é que a Casa de Passagem foi implantada e, a princípio, o município de Curitiba, o governo do Paraná e a Funai deveriam agir de forma conjunta para garantir o funcionamento da Casa. Infelizmente não foi o que ocorreu, se no início do funcionamento algumas ações foram compartilhadas, na sequência a FAS acabou assumindo toda a responsabilidade pelo funcionamento da casa. No início da pandemia a casa acabou sendo destinada ao atendimento para as pessoas em situação de rua. Com o abrandamento da pandemia, as famílias indígenas voltaram a trazer seus produtos para comercialização em Curitiba, no entanto, não existia mais um espaço específico para atendê-los. Em julho de 2021, o Ministério Público do Paraná fez uma nova recomendação administrativa ao município de Curitiba e à FAS, para que fosse locado um imóvel para a reativação dos serviços da casa. Porém, a gestão Rafael Greca só providenciou um novo local após uma manifestação e a instalação de um acampamento das famílias indígenas ao lado do prédio central da prefeitura. O município providenciou um imóvel para o acolhimento dos indígenas, porém com uma estrutura extremamente precária e sem garantir funcionários para o acompanhamento diário necessário.

Por outro lado, o governo estadual e a Funai têm sido acionados  pelas lideranças indígenas, lideranças de diversos movimentos sociais e instituições da sociedade civil, pelo Conselho Estadual de Direitos Humanos e pelo próprio Ministério Público.

Representantes do governador Ratinho Júnior afirmam que há interesse do governo do estado em apoiar a construção de casas de passagem ou acolhimento, e que se encontram em fase de implantação unidades em Maringá, Toledo e Londrina. Porém, até o momento, não houve nenhuma ação concreta por parte do governo estadual no município de Curitiba.

Segundo dados do governo do Estado, hoje no Paraná vivem cerca de 13.300 indígenas, que pertencem ao povo Kaingang e Guarani na sua grande maioria, e restam poucas famílias de Xetás e Xokleng, vivendo em 23 terras indígenas e aldeias. Os povos originários desde a chegada dos colonizadores foram exterminados e ou perseguidos, suas terras invadidas e sua cultura desrespeitada.

No Brasil, de acordo com os dados do Censo de 2010, vivem 896.917 pessoas que se declaram indígenas. Desse total de pessoas, 57,7% vivem em terras indígenas oficialmente reconhecidas. O IBGE identificou 305 diferentes etnias indígenas no Brasil. Já havia uma precariedade em relação às políticas públicas destinadas aos povos originários por parte do governo federal. Durante o governo Bolsonaro esta precariedade se agravou ainda mais, a Funai está sofrendo um desmonte, tanto em relação a pessoas capacitadas para assumir cargos de direção como a cortes drásticos no orçamento.

Marcio Kókoj e Jovina Renhga, lideranças indígenas paranaenses destacam que existem demandas que vão desde a alfabetização das crianças, condições para o cultivo em suas terras, atenção especial para as mulheres artesãs, entre outras. Entendem que é fundamental garantir espaços para reafirmar a identidade indígena nos diversos municípios do Estado. Além de locais para acolhimento, o poder público deveria garantir a implantação de centros culturais como objetivo de irradiação de saberes, cultura, hábitos e tradições das diferentes etnias.

Cabe ressaltar que esta movimentação de grupos indígenas para grandes centros ocorre pela falta de políticas públicas, nas três esferas de governo. A fome só aumentou nos territórios, políticas na área da saúde, da educação e geração de renda são fundamentais. Precisamos de ações articuladas para superar esta situação e garantir a sobrevivência com dignidade destas populações.

Assim como o povo negro e os povos tradicionais, há dívidas históricas com os povos originários. A reparação histórica é uma responsabilidade das três esferas de governo e deve ser exigida por toda a população brasileira!

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