A precarização da educação infantil em Curitiba e os desafios impostos pela pandemia

O poder público deve garantir o direito da criança, mas também os direitos dos profissionais que atuam no espaço da educação infantil

A educação infantil deve ser entendida como um direito da criança, como um nível da educação básica que tem caráter educativo, claro que com uma metodologia adequada a faixa etária de zero a cinco anos.

Os Centros de Educação Infantil, sejam públicos ou privados, também são um espaço do cuidado, tanto para atender às necessidades das crianças, assim como das mães e pais que trabalham e que precisam deixar as crianças em um ambiente seguro.

Em 2015, foi aprovada a Lei Municipal n.º 14.681/2015, o Plano Municipal de Educação de Curitiba, que determina na Meta 1, a universalização até 2016 da educação infantil na pré-escola, para as crianças de 4 a 6 anos de idade. Além disso, prevê a ampliação da oferta de educação infantil em creches de forma a atender 100% das crianças de até, no máximo, 3 anos até o final da vigência do plano, preferencialmente na rede pública.

Para universalizar o atendimento de 4 a 6 anos até 2016, previsto no PME, mas também determinado pela legislação federal, o município optou pelo fechamento gradativo das turmas de berçário e maternal na rede pública de Curitiba. Abriu turmas de pré-escola nas escolas de ensino fundamental, o atendimento que acontecia em tempo integral nos CMEIs passou para um único período. Aliado a isto, esta opção levou a uma série de distorções e a redução drástica de atendimento nos equipamentos públicos.

Hoje o município prioriza o atendimento de 0 a 3 anos (creche -1.ª etapa da educação infantil) nas chamadas creches conveniadas (que recebem um valor per capita muito baixo, para o atendimento às crianças), houve ainda a redução de 10 mil vagas para 7 mil nestas instituições. A construção de um equipamento público é precedida por um estudo de demanda na região, com o fechamento das turmas, há regiões da cidade onde só restaram as entidades conveniadas, o poder publico deixou de ofertar vagas em sua rede própria.

A pesquisa de Patrícia Sesiuk (Oferta e acesso à creche pública em Curitiba, 2019), identificou que cerca de 99% de bebês menores de 1 ano, 88% dos bebês de 1 ano, 79% das crianças de 2 anos e 71% das crianças de 3 anos não têm a garantia do direito à educação pública em Curitiba. Ou seja, o cumprimento da meta do Plano Municipal de Educação, de atendimento de 100% das crianças de 0 a 3 anos até 2022, está completamente inviabilizado.

A precarização também acontece quando se trata da contratação de professoras da educação infantil. Em 2017, Rafael Greca aprovou lei permitindo a contratação via Processo Seletivo Simplificado (PSS) e de lá para cá não realizou mais concursos públicos para profissionais efetivos. Hoje grande parte dos profissionais que atuam nos equipamentos da educação infantil são temporários. Pela legislação vigente eles devem ser contratados por um ano, permitida a prorrogação do contrato por mais um ano. A alta rotatividade não permite a criação de vínculo com a comunidade, muito menos a consolidação de um trabalho pedagógico mais consistente.

Rafael Greca. Foto: divulgação/SMCS.

Após um ano e meio de pandemia, a vulnerabilidade social se agravou e o tema do direito à educação torna-se ainda mais sensível. O poder público deve garantir o direito da criança, mas também os direitos dos profissionais que atuam no espaço da educação infantil. Como garantir um retorno seguro às aulas?

Não existe solução fácil, mas certamente o melhor caminho para construir a forma mais adequada, prescinde necessariamente do diálogo entre os diversos segmentos da comunidade escolar e das secretarias municipais de educação.

Em Curitiba, uma das grandes dificuldades é a garantia desta escuta por parte do prefeito Rafael Greca e da Secretaria Municipal de Educação. Há uma resistência por parte dos mesmos em construir saídas de forma coletiva. O “cumpra-se” é rotineiro, então como superar os desafios sem diálogo?

Importante ressaltar que minimamente as áreas da educação, saúde e assistência social devem atuar de forma articulada. Os Centros Municipais de Educação Infantil e o Centros de Educação Infantil Conveniados precisam ter seus espaços reorganizados, pensando no caráter pedagógico, mas também nas medidas sanitárias cabíveis para este momento. Além da organização interna do dia a dia, é imprescindível ter um diagnóstico sobre os impactos que a pandemia trouxe para as famílias, este é o papel da assistência social. A vulnerabilidade social cresceu muito, a busca ativa se faz necessária, principalmente quando tratamos de violência familiar. Sabemos que muitas crianças só têm acesso ao alimento de qualidade e em quantidade suficiente nos Centros de Educação Infantil, a fome cresceu neste período de pandemia, a prefeitura fez um mapeamento desta situação?

Na publicação “Recomendações para o Planejamento de Retorno às atividades Escolares presenciais no contexto da Covid 19” (Fiocruz, dezembro de 2020) aborda-se a importância de um planejamento para uma retomada de forma segura, destaco dois itens que julgo importantes:

  • Gerenciamento de riscos: Análise da transmissibilidade da Covid-19 no território; capacidade de adotar adequadas medidas de vigilância em saúde local evitando a ampliação da transmissão local e a ocorrência de surtos; capacidade de planejar as atividades escolares de forma adequada e com medidas protetivas à transmissão da Covid-19.
  • Adequação do ambiente: Ter espaços bem ventilados, com janelas abertas ou mesmo instalação de tendas para realização de atividades ao ar livre; disponibilizar instalações para higienização contínua das mãos; garantir o distanciamento físico de pelo menos 1 metro; assegurar o acesso fácil a informações atualizadas sobre a Covid-19 para toda a comunidade escolar.

Certamente não houve um investimento efetivo do poder público, nem na adequação do ambiente e muito menos no gerenciamento de riscos, em todos os níveis de governo.

No Paraná, a transmissão ainda é muito alta (40 casos/100 mil habitantes) e será que foi realizada uma análise adequada da transmissibilidade da Covid em Curitiba? Foram construídos protocolos sanitários suficientes?

Sabemos que não há testagem em massa, rastreamento, diminuição do número de passageiros nos veículos do transporte coletivo. Os pesquisadores afirmam que se houver protocolos seguros no interior dos espaços escolares a taxa de transmissão nestes espaços tende a ser mínima. Imaginando que estes protocolos internos estejam garantidos, a maior preocupação é com o aumento da circulação das pessoas a partir da reabertura das escolas, principalmente no transporte coletivo o que pode elevar ainda mais as taxas de transmissão da Covid.

E a imunização dos profissionais que atuam na educação? Só foi garantida a primeira dose a eles. Os estudos demonstram que todas as vacinas têm pelo menos 50% de eficácia na 1ª dose, impedindo casos graves da Covid, mas não impedem a transmissão. O município determinou o retorno às aulas em alguns CMEIs a partir de 19 de julho e, provavelmente de todos, na primeira semana de agosto. Há elementos suficientes para medir os riscos desta decisão?

Não acredito em decisões tomadas por poucos, a portas fechadas em gabinetes! Principalmente quando tratamos de políticas públicas que envolvem a vida de pessoas!

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