38 vereadores, mas quantas cabeças pensantes?

Índice de afinidade divulgado pelo Plural revela algo que já descobri há algum tempo: a dificuldade de emplacar iniciativas de fiscalização, como a CPI da FEAS, em uma Casa majoritariamente comprometida com os mandos do prefeito

Esta semana, o Plural divulgou o índice de afinidade dos vereadores da Câmara Municipal de Curitiba e o que foi constatado não é necessariamente uma descoberta: dos 38 vereadores, 32 têm índice de afinidade maior que 70%. É um grupo de colegas que geralmente votam em conjunto. E um comportamento que inviabiliza iniciativas importantes.

Uma delas é a CPI da FEAS, para a qual registramos um pedido de instauração recentemente. A proposição pede a investigação de 12 aditivos no contrato da FEAS – Fundação Estatal de Atenção em Saúde, que transformaram um orçamento de R$ 84 milhões (valores aproximados) em um montante de R$ 413 milhões (valores aproximados). A tentativa de abertura de CPI foi realizada após termos recebido justificativas incompletas como respostas a diversos pedidos de informação, e depois que uma análise mais aprofundada foi impedida por conta dos documentos parciais que estão disponíveis no Portal da Transparência.

Queremos saber porque a FEAS tem sido privilegiada pelos cofres públicos, mesmo enquanto presta serviços cada vez mais questionáveis para a população. Há meses, estamos levantando informações e recebendo denúncias dos profissionais de saúde. Antes de solicitar o pedido de CPI, chegamos a enviar para o Ministério Público do Trabalho do Estado do Paraná os ofícios 58/2020, 64/2020, 65/2020, 01/2022 e 02/2022. Nesses documentos, reunimos as denúncias sobre as más condições de trabalho ofertadas pela FEAS, que desde o início da pandemia já registrou: falta de equipamentos de proteção para médicos, enfermeiros e agentes comunitários; luvas, máscaras e vestuários de má qualidade; UPAs do Pinheirinho e Boqueirão com consultórios inapropriados para o sigilo da prática médica, cadeiras quebradas; filas de esperas com centenas de pacientes; consultas relâmpagos; falta de profissionais nas escalas; remanejamentos sem avisos prévios; casos de roubo e agressão; falta de medicamentos e instrumentos básicos, falhas de procedimentos clínicos; entre outras situações preocupantes.

Até agora, a FEAS argumenta que os aumentos nos contratos são decorrentes da pandemia, mas quando analisamos a incidência dos casos de Covid-19 em Curitiba, percebemos que os aumentos não necessariamente acompanham a evolução da crise sanitária na cidade. Para completar, na última quarta-feira (25/05/2022), durante audiência pública da prestação de contas da Secretaria de Finanças, questionei o secretário Cristiano Hotz sobre os contratos da FEAS, ao que ele se recusou a responder.

Diante de tudo isso, pergunto: como fica a fiscalização do município se quem tem esse dever sofre tanta resistência em conseguir realizá-lo? Como eu, como vereadora eleita e única médica na Câmara Municipal de Curitiba, posso fazer um bom papel diante de tanta força contrária para abafar um simples pedido de explicações?

Parlamentos compostos majoritariamente por políticos que não são donos dos próprios votos enfraquecem o papel do Legislativo e a independência dos poderes. Mas, apesar de todas as dificuldades que temos enfrentado para realizar um trabalho comprometido com causas – e não com cargos ou projetos pessoais -, situações como essa só nos mostram a necessidade de continuar.

A política é sim um instrumento de transformação social, desde que tenhamos representantes mais conscientes da responsabilidade que ocupam. Quem está em um cargo público deveria ouvir seu verdadeiro chefe: o povo. Por isso, enquanto sigo na resistência consolidando uma política comprometida com decisões justas, torço para que a população aproveite a oportunidade que terá em alguns meses nas urnas, elegendo representantes com cabeças pensantes de verdade e capazes de decidir baseados no princípio mais caro da democracia: o bem de todas e todos.

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