Da beleza e da feiura

Não ousaria discordar da célebre afirmação de Vinícius de que "beleza é fundamental", atrevo-me, porém, a surrupiar a capciosa pergunta que o filósofo londrinense Cortella, comumente e, irritantemente, lança no ar, fragilizando certezas: "será?"

Umberto Eco dedicou-se aos temas da beleza e da feiura em seus livros História da Beleza e História da Feiura. O dedicado à beleza pode ser comprado na Amazon por volta de 170 reais, já o da feiura não sai por menos de 1.000 reais. Talvez surpreenda o fato de que a obra que trata da estética grotesca, desagradável, repugnante, seja mais cara (muito mais cara… um dia tomo coragem…) que a outra, de tema, digamos, bem mais agradável. Parece óbvio entender o que nos atrai, nos fascina, encanta, mas quem já não teve a experiência de conhecer alguém muito bonito e, depois de algum tempo, acostumar-se com essa beleza a ponto de achar essa pessoa totalmente “normal”, ou, depois de conhecer algum aspecto sombrio de sua personalidade, passar a achá-la até mesmo feia? E o oposto também acontece.

Barbe-Nicole Clicquot Ponsardin, a viúva Clicquot ou, em francês, Veuve Clicquot, que dá nome à marca de champanhe talvez mais conhecida no mundo e que, além de criar um império no ramo de champanhes, revolucionou a forma como era produzida a bebida, atribuía à sua feiura o empenho e sucesso no ramo empresarial, uma vez que, em vez de traçar o caminho de alpinista social de sua bela irmã socialite, ela, viúva e mãe aos 27 anos, entendeu que sua independência viria de outro atributo, mais interessante e duradouro: sua inteligência.

Barbe-Nicole Clicquot Ponsardin. Imagem: reprodução.

Acabo de ler Uma Mulher Vestida de Silêncio: A Biografia de Maria Thereza Goulart e me pergunto se, assim como a viúva Clicquot, não teria sido melhor se Maria Thereza tivesse nascido feia. Em sua biografia, além da timidez e o fato de ela, eu e meu sobrinho Bernardo, termos nascido no mesmo dia, 23 de agosto, não encontro outras semelhanças. Ela me parece uma pessoa que ao tempo de namoro com João Goulart era uma moça ingênua e insegura, educada para casar e ter filhos, bela, recatada e do lar, por assim dizer. Não se sentia confortável naquele papel de primeira-dama, mas logo entendeu que seu acolhimento àquele mundo viria pela estética, tanto de seu corpo, quanto de suas roupas, seus gestos, seu comportamento… e foi assumindo esse papel, acreditando cada vez mais nele, até que se perdeu e nunca mais se encontrou nela mesma, tanto que durante e após o exílio, Maria Thereza tenta desenvolver diversas atividades e desiste de todas. Viveu (e ainda vive) à sombra da história, da vida e da morte de João Goulart e nunca conseguiu escrever a sua própria. Para ela, a beleza talvez tenha sido seu infortúnio.

Não ousaria discordar da célebre afirmação de Vinícius de que “beleza é fundamental”, atrevo-me, porém, a surrupiar a capciosa pergunta que o filósofo londrinense Cortella, comumente e, irritantemente, lança no ar, fragilizando certezas: “será?”

Sobre o/a autor/a

Compartilhe:

Leia também

O (des)encontro com Têmis

Têmis gostaria de ir ao encontro de Maria, uma jovem vítima de violência doméstica, mas o Brasil foi o grande responsável pelo desencontro

Leia mais »

Melhor jornal de Curitiba

Assine e apoie

Assinantes recebem nossa newsletter exclusiva

Rolar para cima