Somos feitos da mesma substância dos nossos sonhos

Na coluna Piratas na Proa, que estreia em Plural, Jac Fressatto mostra o que piratas, tecnologia e Shakespeare têm em comum

Entre os séculos 14 e 16 D.C, as duas maiores inovações eram os canhões e as embarcações (naves marítimas) que os carregavam com o único objetivo de afundar outras embarcações.

As batalhas navais deste período foram épicas. Todos os grandes impérios não se preocupavam mais apenas com suas delimitações geográficas. Agora, eles queriam outras terras, distantes, delimitadas pelos gigantescos mares.

Nossa, eu adoro as histórias de piratas.

Eles eram tudo de errado: eram bandidos procurados que tinham escapado da forca. Eram homens depravados e doentes psicologicamente. Eram pagãos. Todos queriam matá-los, menos eles mesmos.

Mas as histórias são maravilhosas por que todas giram do sonho destes “anormais” de se tornarem seus próprios reis. E por isso roubavam os reis. Desafiavam os reis. E era para eles, esses “anormais”, que esses reis pediam ajuda quando precisavam superar uma grande ameaça marítima.

Essas anomalias sociais da época, esses horríveis homens e mulheres, eram hábeis marujos e guerreiros que não temiam a morte, nem pela pólvora das escopetas ou dos canhões, nem pela grande ameaça do mar bravio.

Esses SERES eram feitos da mesma substância dos seus sonhos.

Shakespeare escreveu sobre isso em sua última obra: A Tempestade (1611).

Nesta memorável peça (uma das minhas preferidas dentre todas as obras dele), ele conta a história de Próspero, um rei derrotado e náufrago em uma ilha tropical que planeja sua volta, tendo em Ferdinando uma aposta de êxito.

Ferdinando, por sua vez, foi descrito por Gonçalo (um dos pares de Próspero): “Este sujeito me inspira muita confiança. Não tem o menor jeito de afogado. Tem cara de quem vai morrer na forca. Que os fados tratem mesmo de enforcá-lo. Que a corda que o destino lhe reserva seja bastante forte para nos salvar”.  Ferdinando, um pirata, apaixonou-se por Miranda, filha de Próspero.

Próspero, em conversa com Ferdinando, fala uma das mais preciosas frases de Shakespeare, escrita nesta sua última obra de 1611:  “Um dia, tal e qual a base ilusória desta visão, as altas torres envoltas em nuvens, os palácios, os templos solenes, e todo este imenso globo hão de sumir-se no ar como se deu com esse tênue espetáculo. Somos feitos da mesma substância dos sonhos e, entre um sono e outro, decorre a nossa curta existência”.

Hoje vivemos na era mais conectada que a humanidade já experimentou.

Agora, o sucesso é medido em fortunas de bilhões e trilhões.

Temos acesso a interações na palma de nossas mãos.

Não precisamos mais nos apaixonar ou sermos encantados para termos prazer, podemos tê-lo com o arrastar dos dedos na tela de nossos celulares.

Hoje, Ferdinando, um pirata, não seria útil para Próspero e provavelmente também não para Miranda. Sua declaração de amor não seria suficiente, pois outros atrativos seriam imperativos e não sua natural qualidade de coragem ou destreza de estar vivo.

Nesta mesma era chamada hoje, com tudo o que podemos ter ou fazer, ainda temos aqueles que NÃO TEM, NÃO SÃO, NÃO PODEM ou NÃO QUEREM.

Eu escolhi este nome para minha coluna, porque quando os antigos marujos ouviam alguém gritar: PIRATAS NA PROA, era um aviso que nada podia-se fazer, a nave estava invadida. A chamada “revolução tecnológica”, aquela da inteligência artificial e do aprendizado das máquinas, não tem mais volta.

Eu sou feito da matéria dos meus sonhos.

Eu sou um pirata, um desajustado.

Eu sou mais Ferdinando do que qualquer outro mais belo SER.

Eu vou impactar a vida de um bilhão de pessoas com tecnologia de ponta, acessível e eficiente.

E como um bom pirata, continuarei sem medo do “mar” ou da “pólvora”, aprendendo com minhas perdas e almejando ser rei de meu próprio reino.

E você SER HUMANO, livre, conectado e inovador, cuja proa eu invado a partir de hoje, do que são feitos seus sonhos?

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