O paiol

Em meados de 1986, assim como muitas outras famílias brasileiras, fomos vitimas da crise reflexa do plano Sarney. Além do emprego, meu pai perdeu a capacidade de gerar a renda que precisávamos para manter o padrão de vida, nada luxuoso

Olá tripulação dessa nave louca chamada “humanidade moderna”.

Satisfação escrever pra ti, SER humano, livre, conectado e inovador. Que venha um futuro melhor para todos nós, por que me recuso a reclamar de qualquer coisa no dia de hoje.

Estudando meu acervo de inspirações, passei por esta frase de Epícuro, o pai da ‘razão inadequada’, que me lembrou de algo muito lógico: “Os grandes navegadores devem sua reputação aos temporais e tempestades”.

Pois é, se estou escrevendo para ti, é por que minha reputação me trouxe até aqui. Tantas coisas maravilhosas serão noticiadas sobre o Robô Laura, cuja criação pude eternizar o nome de minha filha e hoje ajuda a salvar milhares de pessoas Brasil a fora.

Então sim, minha reputação me da a autoridade para escrever sobre determinados assuntos. Mas relembrar os temporais e tempestades que sobrevivi não é uma coleção de saudades gostosa de visitar.

Friso, “me recuso a reclamar de qualquer coisa no dia de hoje”. E tenho dito!

Mesmo ruim, faz parte de minha coleção de saudades.

Em meados de 1986, assim como muitas outras famílias brasileiras, fomos vitimas da crise reflexa do plano Sarney. Além do emprego, meu pai perdeu a capacidade de gerar a renda que precisávamos para manter o padrão de vida, nada luxuoso, mas confortável para os 2 e nós 3 filhos (na época eu com 7 anos, Jeff com 4 anos e Jorge com 2 anos).

A casa que eles tinham comprado financiado, por causa da alta inflação (que em novembro de 1986 chegou a 146,3% ao ano) não tinha mais como ser custeada e eles precisaram negociá-la. E assim fizeram.

Como nossos avós não nos deixaram nada e até aquele momento meu pai não tinha conseguido construir um patrimônio mais estável, não tínhamos para aonde ir.

Neste momento, um dos primos de meu pai ofereceu e arrumou um paiol que tinha no seu terreno, para que pudéssemos ocupa-lo a “toque de caixa” durante o tempo que meus pais necessitavam para reorganizar as coisas e resolverem tudo que precisavam.

Na época, eu adorei.

Era sensacional.

O Antônio (primo do meu pai), que nos acolheu amorosamente neste paiol, tinha um casal de filhos e o mais velho tinha 4 anos a mais do que eu e me recebeu em sua rotina muito gentilmente, me ensinando coisas que nunca aprenderia de outra forma (pois sou o filho, neto e sobrinho mais velho da minha família direta), entre elas: caçar, cuidar de animais e horta, “catar pinhão” com “setra” (tenho certeza que alguns de vocês riram ao ler isso, pura nostalgia).

A escola era divertida também, pois era uma escola rural em Colombo, região metropolitana de Curitiba, com duas salas e duas professoras, que cuidavam de 4 turmas diferentes em 2 turnos de aula, fazendo nos intervalos, além do lanche de todas as aproximadas 40 crianças (por turno) e junto com mais uma senhora, quase que voluntária, a manutenção das duas salas que juntas recebiam 2 turmas (uma para 1.º e 2.º ano, outra para 3.º e 4.º ano). No intervalo, o tempo maior era na fila do lanche e depois ajudando a lavar as louças usadas (cada um lavava o seu kit). No tempinho que sobrava, brincávamos de “queimada” (hehe, aposto que essa te fez rir de novo).

Dentro da “casa” (o paiol adaptado) era outra aventura.

Ratoeiras e outros artifícios, a maior parte ineficientes, montados por minha mãe, tentavam manter os ratos longe do estoque dos nossos mantimentos, pois eram 3 crianças, uma delas um bebê.

Me divertia procurando os ninhos de ratos e dando um fim neles (sim eu fui uma criança matadora de ratos e seus filhotes, vou responder por isso, um dia).

Enfim, para mim foi divertido. Porque meus pais “herculeamente” fizeram nós 3 nos sentirmos assim, confortáveis e protegidos, porque no bem da verdade, foi muito FODA e desesperador para os 2!

Estou escrevendo para ti, neste momento, para o maior portal de pensamento livre de uma das maiores capitais do Brasil, confortável em minha cadeira de gamer (regulável, inclusive, bem massa!), no meu escritório particular e exclusivo, com muitos livros à minha disposição, num computador eficientemente moderno, não só para escrever, mas também jogar (por isso a cadeira especifica, hehe), bem alimentado, saudável, seguro e feliz.

Durante essas horas, não passou nenhum rato por perto de mim.

Nenhuma preocupação se venderei o suficiente de panos de pratos para garantir o valor suficiente para conseguir pagar a passagem do transporte público que preciso para ir na igreja amanhã.

Nenhum momento senti raiva de toda a minha situação, por que estou bem.

Mas os meus pais, com menos idade do que eu tenho hoje, na época, não tiveram esse mesmo privilégio.

E mesmo no meio do caos, resolveram tudo, ao ponto de eu poder estar te escrevendo com todo o conforto que te descrevi a pouco.

Então, posso te dizer que eu acrescentaria um comentário a mais, na frase filosófica de Epícuro, o pai da ‘razão inadequada’: “Os grandes navegadores devem sua reputação aos temporais e tempestades [porque foram protegidos ou ajudados por alguém e por isso sobreviveram].”

Pois é, não naveguei sozinho.

Não resolvi a maior parte dos problemas.

Fui protegido, treinado e educado para ser este homem competente e honesto por dois seres humanos, verdadeiros navegadores, numa tempestade severa.

Então, neste momento, por favor, olhe para o que você tem a sua volta.

Para seu sucesso e conforto. Para sua competência.

E agradeça por tudo isso.

E peça, por favor (seja qual for sua crença, por que sei que tem uma), para ser e fazer mais por todos os outros que neste momento não estão com os mesmos privilégios que eu e você.

Por aqueles que estão, neste momento, com o mesmo desespero que seu Francisco e dona Jacqueline estavam há 35 anos, vitimas não de escolhas ruins, mas de todo um sistema de dificuldades, que precisaram resolver, superar e se refazer.

Neste momento, enterramos mais de 300 mil pessoas em nosso país, um ano depois desse mal chegar em nossas fronteiras. São 300 mil vazios. São milhões de corações dilacerados. Eu sei o que isso significa. Eu sei o que é esse vazio.

Não podemos fazer de conta que não somos responsáveis por nada.

Não temos o direito de nos esconder em nossas prisões pessoais de luxo.

E se não sabemos como ajudar ou mudar, se não estamos gastando energia com isso, por acharmos não ter poder para resolver, que pelo menos sejamos atormentados pela verdade absoluta, que está muito mais FODA para muita gente!

Hoje não vou reclamar, mas também não quero te deixar confortável com nada. Não quero e não vou te entreter com nada.

E se está lendo este artigo até aqui, sem desistir do contexto, é porque como eu, está perturbado com o fato de que a maior parte de nossos compatriotas não estão bem.

Então, até o final do dia de hoje, se pergunte: “Por deus, o que posso fazer para ajudar quem não está conseguindo atravessar bem e seguro essa tempestade?”.

E termino este artigo, com a humilde esperança de estar próximo de encontrar uma forma de ajudar muito mais pessoas e de te impactar para pensar em fazer alguma coisa, com o mesmo propósito: ajudar o maior número de pessoas que pudermos, juntos!

Espero que você, SER humano livre, conectado e inovador, fique bem, se proteja por favor.

E proteja os outros, pelo menos.

Sobre o/a autor/a

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