Lu Xun – Flores Matinais Colhidas ao Entardecer

A edição belíssima da Editora Unicamp é bilíngue e tem como um dos objetivos, além de inserir o nome de Lu Xun nas leituras dos brasileiros, ajudar alunos brasileiros de chinês ou alunos chineses que estudam o português

Sempre procurei por todas as partes e todos os cantos (…)”

Há muitos escritores que o mercado brasileiro esnobou durante décadas. Há autores novos (já falei aqui de autores russos, húngaros, romenos, sem contar a riqueza dos escritores africanos) e autores mais antigos, conhecidos mundialmente, e de grande relevância na história da literatura de seus respectivos países, nunca publicados no Brasil.

Um desses autores é Lu Xun. Então, é com muita felicidade que devemos receber a cuidadosa tradução de Yu Pin Fang para o português brasileiro. A edição belíssima da Editora Unicamp é bilíngue e tem como um dos objetivos, além de inserir o nome de Lu Xun nas leituras dos brasileiros, ajudar alunos brasileiros de chinês ou alunos chineses que estudam o português.

Todas as outras obras de Lu Xun que eu li foram trazidas de Portugal ou foram edições em inglês e espanhol, línguas em que você pode encontrar (quase) toda a obra dele.

Curiosamente, houve o interesse de “começar pelo contrário”, fazendo-se publicar os chamados “escritos reminiscentes” do escritor chinês e não os textos mais conhecidos do autor. No Brasil, para os poucos leitores de Lu Xu, talvez seus textos mais conhecidos sejam, primeiro, o famoso e breve conto Diário de Um Louco e, em segundo plano, a coletânea de Ervas Silvestres. O leitor mais experiente talvez conheça também Era Uma Vez Q. (ou A História de Q.), principalmente porque se aventou, na época do lançamento de 19Q4, de Murakami, que o autor japonês tinha feito um jogo sonoro entre o número “8” em japonês e o nome dessa personagem. Procurei, procurei, mas acho difícil de sustentar, mas vá saber o que se passa na cabeça de Murakami, que diz mesmo admirar Lu Xun. E é fácil admirar Lu Xun.

Certamente você deve ter estudado na escola o que foi a Guerra do Ópio. Também deve conhecer documentários sobre o poderio chinês na Ásia durante séculos (fosse com a seda, a prata, porcelanas ou força militar). Deve ter visto filmes como Império do Sol, de Spilberg, O Último Imperador, de Bertoluci, filmes de grandes cineastas orientais, como Zhang Yumou, autor do prestigiado Lanternas Vermelhas, e uma série de romances que tratam do período entre o fim do século XIX e o começo do século XX.

O interesse popular ou erudito sobre o período tem todo o sentido: o grande império chinês ruiu, principalmente devido à fome mercantil inglesa. Os mesmos discursos chochos que se diz sobre o Japão (“país entre o passado e o futuro”, país em que “o presente dá as mãos ao passado”, país “entre a tradição e a modernidade”) são usados para descrever essa China. Embora chatos, eles têm algo de veracidade: a Xangai dos anos 1920-1930 era uma cidade de forte presença inglesa e até hoje, quando se passeia pelas ruas de Macau ou Hong Kong, o que se vê ali é a lembrança dos europeus, a alta tecnologia dos prédios, e o que sobrou de um glorioso passado de templos e construções governamentais. E, lógico, aqui e ali, bairros inteiros do período que chamamos medieval. Essa mistura talvez explique o simplismo do raciocínio “passado-presente”. Mas um país de cinco mil anos de história ininterrupta é bem mais que isso, certo?

De todo modo, Lu Xun viveu justamente nessa época e viu invasões sem guerra (ou quase), as cidades sendo modificadas em seu perfil, com os telhados com dragões sendo substituídos por casas à inglesa, com tijolos vermelhos aparentes, os homens trocando as tradicionais roupas chinesas por ternos bem cortados (até hoje a alfaiataria chinesa é uma das melhores do mundo), as mulheres continuando a usar os Cheongsam (ou Qipao), mas já com cabelos curtos à europeia e acessórios nada orientais, e por aí vai. É claro que esse universo de transformação palpável e visível encontra eco no universo das artes, seja na pintura, seja na literatura.

E assim nasce a literatura “ocidentalizante” de Lu Xun. Valeria anotar que essa chamada ocidentalização da escrita levada por Lu Xun à China não era exatamente uma abertura totalizante às “coisas” ocidentais. Muito pelo contrário. O autor pregava, por exemplo, o repeito ao chinês tradicional.

Edição bilíngue de Flores Matinais Colhidas ao Entandecer.

O que o leitor vai encontrar em Flores Matinais Colhidas ao Entardecer? Uma introdução muito pertinente de Gao Qinxiag (não confundir com o Nobel, que é Xingjian), diretor do Instituto Confúcio, que apoiou a tradução, uma introdução do próprio Lu Xun, que costumava trazer comentários às suas coletâneas, os contos ou memórias muito sutis, como costuma ser a escrita de Lu Xun, e ainda um posfácio dele mesmo.

O interesse de Lu Xun era intenso, vívido, multifacetado. Cada conto de Lu Xun é uma ala em particular de seu templo de escrita, como cada ala tivesse sido construída em um estilo, mas sempre de forma muito agradável e leve, por vezes irônica ou melancólica (ou ambas). Os contos iniciam com um cômico pequeno tratado sobre “ódio aos gatos” (o animal é figura presente tanto na literatura chinesa quanto na japonesa) e trazem relatos sobre a doença do pai ou sobre a vida rural.

O olhar é agudo, por vezes quase religioso sobre as coisas do mundo, bonito e gentil com a humanidade.

Espero que essa edição de Lu Xun promova mais interesse dos leitores brasileiros e que traga mais pesquisas sobre uma grande obra, de um dos mais importantes escritores profícuos na década de XX do século passado. Na minha lista de grandes obras modernas dos anos 1920, certamente o nome do autor chinês aparece com frequência.

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