O problema não é só a pobreza, é a desigualdade

Estudos mostram que até os mais ricos são prejudicados em sociedades muito desiguais

Dificilmente alguém em sã consciência quer que as pessoas sejam pobres, que passem necessidades básicas. No entanto, há jeitos diferentes de perceber o problema da desigualdade social: há quem pense que o problema é simplesmente tirar as pessoas da pobreza; mas uma outra corrente afirma que é importante também diminuir a desigualdade na sociedade.

O primeiro jeito de entender a questão diz que, desde que as pessoas tenham todas as condições mínimas, tanto faz se há diferenças de renda e riqueza gigantescas na sociedade – afinal, todo mundo tem o o que comer, tem acesso a educação, atendimento de saúde etc. Os defensores mais radicais desse tipo de posição dizem que qualquer coisa que passe disso tem um quê de inveja em relação aos mais ricos.

Por que a desigualdade importa?

Dá para entender o receio, principalmente depois de um século em que experiências igualitárias radicais redundaram em desastres políticos e humanitários. Mas o fracasso dessas tentativas de deixar todo mundo exatamente na mesma posição (hoje dificilmente defensáveis) não querem dizer que não haja um caminho do meio.

Para começar, por que a desigualdade (e não só a pobreza) é um problema? O filósofo T.M. Scanlon, de Harvard, escreveu sobre isso listando uma série de motivos pelos quais a desigualdade importa. Talvez você não concorde com todos, mas alguns parecem bem importantes. Vamos ver dois deles.

Um dos motivos que tornam a desigualdade um problema, diz Scanlon, é o excesso de controle que os mais ricos (e mais poderosos) ganham sobre a vida dos que têm menos. Numa sociedade muito desigual, os mais pobres praticamente não têm controle sobre o futuro de suas próprias vidas, dependendo de suas relações com os mais ricos para absolutamente tudo, começando pelo emprego.

Outro motivo, talvez mais grave, é a desigualdade política que resulta de uma sociedade injusta. Mesmo que todos tenham o que comer, isso não significa que os mais pobres tenham como competir com os mais ricos em eleições, ou na formulação de políticas públicas, ou que tenham modos de interferir no destino de seu país. A sociedade é governada por poucos, o que tende a beneficiar interesses de minorias e a manter a exclusão social.

Por fim, um outro tipo de argumento é dado por outro filósofo de Harvard, John Rawls, autor de Uma Teoria da Justiça: ninguém escolhe onde vai nascer, nem quem vão ser seus pais. Não há mérito na nossa posição de partida na vida, trata-se de uma loteria. Por que então devíamos permitir que alguém comece muito atrás dos outros, ou muito à frente?

Problemas até para os ricos

Um estudo que também apontou problemas importantes na desigualdade foi feito por uma dupla de autores. Richard Wilkinson e Kate Picket demonstraram por meio de uma série de comparações, apresentadas em seu livro O Nível, que nos países mais desiguais até os mais ricos sofrem mais.

Eles fizeram dois grupos de comparações. No primeiro, pegaram países de primeiro mundo espalhados pelo mundo. Viram o que acontece nos países mais igualitários (Suécia, Japão, Canadá…) e compararam com os fatos nos mais desiguais (Estados Unidos, principalmente, mas também Portugal, Grécia etc).

O estudo mostrou que em praticamente todos os índices sociais, as pessoas mais ricas se saem melhor nos países de tipo igualitário. As pessoas vivem mais anos, têm menos obesidade, menores índices de doenças cardíacas, há menos gravidez na adolescência…

Os autores dizem que não é difícil explicar os motivos para isso. A garantia dada pelos países mais igualitários é de que, mesmo que você não se saia extremamente bem na vida profissional, mesmo que sua carreira tenha sobressaltos, mesmo que você tenha problemas emocionais, haverá um tipo de ajuda, você não cairá demais.

Já em países onde a desigualdade é maior, a competitividade entre os indivíduos aumenta – o que gera estresse e tensões sociais – e a capacidade do Estado de resolver problemas diminui. Se você cair, há menos redes de proteção e você sabe que o fundo do poço é muito mais grave.

O que fazer?

Claro que resolver esse tipo de desigualdade não é fácil, e que nem tudo vale. O autoritarismo que marcou governos radicais do século 20 é indefensável. Mas países como o Japão, o Canadá e as nações da Escandinávia (todos no topo do ranking de IDH, não por acaso) têm mostrado que é possível reduzir a desigualdade sem nenhum radicalismo.

Sistemas de tributação que beneficiem os mais pobres, redes de proteção social, educação e saúde universais de qualidade estão entre os primeiros passos. Modelos eleitorais e de governo que permitam maior participação popular também são fundamentais. E, claro, é preciso criar um espírito de solidariedade dentro do país – talvez o ponto mais difícil de todos.

Sobre o/a autor/a

Compartilhe:

Leia também

O (des)encontro com Têmis

Têmis gostaria de ir ao encontro de Maria, uma jovem vítima de violência doméstica, mas o Brasil foi o grande responsável pelo desencontro

Leia mais »

Melhor jornal de Curitiba

Assine e apoie

Assinantes recebem nossa newsletter exclusiva

Rolar para cima