Corpo, mente e sociedade: o esporte melhora tudo na vida

Jogos coletivos são especialmente importantes para ensinar convivência social

“Acho que ele quer que a gente ganhe a Copa do Mundo.” No filme Invictus (2009), o capitão da seleção de Rugby da África do Sul, Francois Pienaar, conta à namorada o resultado de uma conversa com o presidente Nelson Mandela. Ninguém entendeu a súbita fixação de Mandela com o Rugby, um esporte de brancos, e sua relutância em extinguir o time odiado pela população negra e que não trazia vitórias ao país há muito tempo. A  explicação veio com a vitória da seleção na Copa do Mundo de Rugby sediada no país em 1995: Mandela viu no esporte a possibilidade de iniciar o processo de reconciliação entre negros e brancos em um país marcado pelo apartheid. 

Não foi a primeira e nem a última vez que o esporte aproximou pessoas e celebrou diferenças, ainda que momentaneamente. No Natal de 1914, durante a Primeira Guerra Mundial, soldados franceses e alemães largaram as armas e deixaram seus postos para celebrar em paz. No evento que ficou conhecido como a Trégua de 1914, os adversários dividiram alimentos, trocaram presentes e – adivinha? – jogaram futebol. A prática foi repreendida pelos oficiais de alto escalão, que viam no esporte o risco do estabelecimento de empatia com o inimigo. Desse dia em diante, qualquer “tentativa de estabelecer a paz” seria severamente punida.   

Viver o esporte é viver relações, viver com o outro. De acordo com Valdomiro Oliveira, professor do Departamento de Educação Física da UFPR, o esporte contribui para o desenvolvimento da inteligência intra e interpessoal. A inteligência intrapessoal ocorre quando os praticantes precisam suportar cargas externas como a derrota, os erros cometidos, e os desafios a serem vencidos durante os jogos ou exercícios. Já a interpessoal acontece quando os jogadores precisam se  relacionar com a diversidade de culturas e de condições sociais e econômicas. 

Para o educador físico e coordenador da primeira fase do Colégio Medianeira, Marcelo Pastre, o esporte é um meio de encontro e de integração com o mundo e com a própria família. Ele, a esposa e os dois filhos, de 10 e 13 anos jogam basquete. “O esporte tem como característica o trabalho de equipe, o que desenvolve o senso de coletividade. Ele nos auxilia muito na nossa vivência enquanto família, na unidade, na aquisição de valores, no respeito, na confiança e nos desafio”, afirma Marcelo. 

Considerado uma representação social, o esporte pode funcionar como um espaço seguro de expressão, vivência e entendimento da sociedade. A partir da prática, no dia a dia, as pessoas percebem como a sociedade funciona, como as relações se articulam e como a disputa se apresenta no mundo.  “O esporte é o descontrole controlado das emoções, ou seja, a gente se deixa revelar no esporte, mas o que nos controla é a regra. O descontrole controlado é justamente entender que a gente vive em uma coletividade, que a gente precisa respeitar as regras, as leis, porque é a partir delas que a gente consegue viver coletivamente”, explica o coordenador.

Autoconhecimento

Para além das regras, o aprendizado proporcionado pela prática esportiva vem da experiência, do conhecer o próprio corpo e seus limites e de sentir na pele as consequências das escolhas do dia-a-dia. “Se a criança não vê sentido em algo como comer legumes e dormir cedo, ela não vai querer fazer mesmo. Aconteceu comigo. Quando vi que isso fazia diferença para algo que eu queria conquistar no esporte, fez sentido pra mim e acabei expandindo para outras áreas da vida também. Aí, o ensinamento realmente fica”, diz a educadora física e treinadora de escalada Nina Brandt.

Segundo ela, as principais habilidades desenvolvidas com o esporte são “aprender a aprender com o erro”, perceber que a insistência e a persistência geralmente dão resultado e entender a importância da disciplina, da constância e do cuidado nos demais aspectos da vida quando se quer alcançar “um certo sucesso”. 

E por sucesso, Nina não quer dizer a medalha de ouro. A prática esportiva não serve apenas a quem tem em vista a profissionalização e a competição. Ter sucesso pode ser superar um obstáculo pessoal, vencer o medo ou controlar a ansiedade, por exemplo. 

O esporte contribui, ainda, para o desenvolvimento cognitivo e a inteligência corporal – a capacidade de usar o corpo para resolver problemas motores no tempo e no espaço – das crianças e adolescentes. Segundo Valdomiro, “cada atividade executada desenvolve competências cognitivas e inteligências múltiplas, como a concentração, a atenção e a memória, a lógica, a escrita e a leitura, além do próprio movimento e das relações sociais. Isso não ocorre em nenhuma atividade sentado em sala de aula – só na prática motora. Quando o repertório motor é pobre de movimento nessas fases [infância e adolescência], pode significar até o aumento do sedentarismo no futuro e o abandono das práticas corporais. Devemos estimular desde o nascimento a prática inteligente do movimento”.

A boa prática

Sendo uma representação da sociedade, o esporte pode também ser levado para um lado não tão benéfico e é preciso estar atento para as intencionalidades da prática em uma determinada instituição. Marcelo alerta para a necessidade de conhecer o local onde os filhos praticam o esporte, o professor, o técnico e a proposta, para se certificar de que a prática desportiva terá um cunho educativo, mesmo que o objetivo seja a especialização no esporte. Pressões e punições podem acarretar em danos físicos e psicológicos ao jovens. 

O professor da UFPR, Valdomiro Oliveira, concorda e fala da importância de trabalhar a intencionalidade na formação dos profissionais da área: “O esporte é um fenômeno cultural de múltiplas possibilidades, cada ser social faz dele o que quiser. Podemos formar pessoas preocupadas com a educação e o desenvolvimento geral das pessoas, tal como o fair play, ou utilizá-lo para o bem próprio. Prefiro o primeiro.”

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