Caso de amor de Curitiba pelo Medianeira completa 64 anos

Colégio mantém tradição da Companhia de Jesus na cidade desde 1957

Nesta segunda-feira (22), os pequenos Thiago e Matheus, que ainda nem completaram dois anos de idade, entraram pelos portões do Colégio Medianeira. Para eles, é o início de uma vida escolar; para a família, é a continuidade de uma longa história. Assim como a prima Isabela, eles são a terceira geração a frequentar as mesmas salas de aula, uma tradição que começou com o avô Hudson do Valle. Também é a sequência de um ciclo para o colégio, um dos mais tradicionais de Curitiba, que nesta quarta-feira (24) chega aos 64 anos.

Hudson entrou no Medianeira aos 6 anos, em 1970. Na época, o colégio estava ainda na adolescência: tinha sido fundado 13 anos antes, em 1957, pelos Jesuítas que traziam uma experiência de vários outros colégios espalhados pelo país, como o Anchieta de Porto Alegre e o Catarinense – isso sem falar nos mais de quatro séculos de educação desde a fundação da Companhia de Jesus.

“Meu pai decidiu colocar a gente lá porque a filosofia da escola era muito parecida com o que ele acreditava: claro que tem que ter regras, mas também é preciso ter liberdade para entender o mundo”, diz Hudson, que 51 anos depois de entrar pela primeira vez no Medianeira continua tendo todo vínculo com o colégio. Hoje, além do futebol de ex-alunos aos sábados, presta serviços em obras no Colégio, já que é formado em Engenharia Civil. “Acho incrível poder exercer no colégio, onde tudo começou, a profissão que aprendi”, diz ele.

A família de Hudson: três gerações na mesma escola

Como engenheiro, Hudson teve que fazer obras em toda parte, e os filhos iam junto. “Até que um dia meu filho me chamou a atenção pra uma coisa. Ele tinha sete anos e já tinha passado por sete escolas.” A solução foi não levar mais as crianças quando ele viajasse para assumir obras e encontrar um colégio em que a família confiasse. Os filhos gostaram tanto do Medianeira que colocaram seus próprios filhos lá.

“Essa relação das famílias com o colégio tem base na pedagogia da Companhia de Jesus, que vê a pessoa em sua integridade”, diz o diretor acadêmico Fernando Guidini. “Nós não cuidamos apenas da dimensão intelectual do aluno, mas também da dimensão sócio-emocional, do lado afetivo. E as famílias acabam criando esse vínculo com a instituição”, afirma.

Faz sentido. Um dos colegas de turma de Hudson no final dos anos 70, Carlos Motta, é prova viva da relação de longo prazo. Assim como o antigo amigo de sala de aula, ele também já levou mais duas gerações para o Medianeira. “Depois de me formar, até morava longe. Mas um dia estava no futebol dos pais e pensei que meus filhos tinham que ir para lá”, conta Carlos, que contratou décadas depois a mesma empresa de ônibus que o levava para fazer o novo trajeto, agora para os filhos.

Carlos Motta com as filhas e os netos: todos já passaram por esses gramados

A história do Medianeira em certo sentido começa antes mesma da fundação do colégio. Há exatos 70 anos, o padre Edmundo Dreher chegava a Curitiba – era a terceira vez que os jesuítas aportavam no Paraná, ao longo dos séculos. Agora, além de cuidar da Igreja do Rosário, o novo membro da Companhia de Jesus trazia a semente do projeto educacional da congregação.

Seis anos depois, nascia o colégio. Não era só a região que era diferente (na época, tudo parecia bem mais distante do Centro). O próprio Medianeira era muito menor do que hoje – mas as ideias básicas estavam todas por lá, tudo baseado na antiga tradição dos jesuítas.

“A Companhia de Jesus fez a primeira sistematização da educação no mundo”, conta o atual diretor do Colégio, padre Nereu Fank, um dos dois únicos sacerdotes jesuítas hoje no Medianeira. Ele está falando da Ratio Studiorum, um documento que em 1599 traçou a doutrina do ensino que guiaria os jesuítas mundo afora para ensinar “as virtudes e as letras”.

Obras em 1957: o começo de uma história

“Claro que tudo isso foi atualizado com o tempo. Por um lado temos nossa tradição, mas não podemos ser tradicionalistas a ponto de ignorar as mudanças enfrentadas pelo mundo”, afirma o diretor.

A necessidade de conciliar o ideal educacional (formar um cidadão com uma profunda formação humanista) com o mundo real fica mais clara num ponto: como conciliar o ensino para a vida e a necessidade de preparar o indivíduo para o mundo do trabalho – para o vestibular?

“Nossa pedagogia começa pela leitura do mundo”, ensina Guidini. “Nesse sentido, o Medianeira é um colégio contracultural” – ou seja, a ideia jamais vai ser cair no barateamento de ensinar macetes para ir bem em uma prova. “Mas precisamos alternar isso com as necessidades do mundo contemporâneo” – o que quer dizer que não adianta criar um bando de nefelibatas que não sabem como é a vida fora das páginas dos livros.

Parece que funciona. Carlos Motta, que fez o vestibular em 1978 passou pela tentação de abandonar o colégio onde estudara durante boa parte da vida para ciar num terceirão, um cursinho preparatório. Mas resistiu. “Fui uma vez numa sala dessas com 300 alunos e nunca mais quis voltar”, conta. Jamais se arrependeu: “Passei na UFPR com nota para entrar em qualquer curso”, conta.

Hoje, os netos dele iniciam a mesma trajetória, sob responsabilidade de outras pessoas. “Eu sempre falo quando vejo alunos entrando pequenininhos aqui: essas crianças vão ficar às vezes 13, até 15 anos com a gente, vão entrar na faculdade em 2036… Olha o tamanho da responsabilidade que temos”, diz Guidini.

Quem sabe muito bem o peso dessa obrigação é o professor Olindo Baggio. Em 1976, quando estava ainda estudando Química na UFPR, foi convidado a dar aulas no Medianeira e aceitou o desafio. Foi uma das decisões com consequências mais duradouras em sua vida: permaneceu 44 anos lecionando lá, e ainda tem vínculos. Formou gerações de jovens, que hoje estão espalhados pelo mundo levando suas lições. Algum arrependimento. “Que nada. O Medianeira é parte da minha vida, e se tivesse que fazer tudo de novo, faria igual”, afirma.

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