A menina que reescreveu o código da vida

Jennifer Doudna superou preconceitos e venceu o Nobel de Química

A menina Jennifer estava apaixonada por ciência e imaginava que esse era seu caminho profissional. Era o final dos anos 1970 e ela, no Havaí, estava terminando o ensino fundamental. Na hora de fazer o exame vocacional, porém, a resposta não podia ser mais desencorajadora: o professor ouviu que ela queria fazer ciência e logo começou a sacudir a cabeça: “Não, não, não. Meninas não fazem química, meninas não fazem ciência.”

Ela sabia que não era assim. Seu pai incentivava a curiosidade científica desde sempre, e em certo momento deu a ela o livro A Dupla Hélice, que conta como a forma de dupla hélice do DNA foi descoberta. Embora os louros tenham ficado com dois homens, que de fato foram responsáveis pelo trabalho, Cricks e Watson, havia uma mulher por trás daquilo.

Rosalynd Franklin não chegaria a receber o Nobel junto com os dois colegas. Primeiro, porque infelizmente morreu cedo. Mas também porque a participação dela na descoberta da forma do DNA (uma das mais relevantes do século 20) foi apagada. Na verdade, a foto dela que ajudou a desvendar o mistério foi roubada pela dupla que acabou levando o Nobel.

Jennifer Doudna saiu do Havaí e entrou na universidade decidida a fazer ciência. Embora sua família não fosse rica, ela conseguiu se destacar, ganhar bolsas e chegou às melhores escolas dos Estados Unidos. Insistente, foi entrando aos poucos nos laboratórios e descobrindo como de fato se fazia ciência no dia a dia.

Mas a vida dela mudaria quando, já depois de formada e especializada em RNA, foi procurada por outra mulher que havia desafiado os preconceitos contra mulheres cientistas. A francesa Emmanuelle Charpentier precisava de alguém para ajudá-la a resolver um mistério tão grandioso quando o da forma do DNA.

Juntas, as duas trabalhariam sobre aquilo que havia sido batizado de CRISPR. Basicamente, era um sistema imunológico que as bactérias tinham desenvolvido para resistir a vírus. Para entender aquilo melhor, era preciso estudar a forma do material genético que fazia esse trabalho. As duas se juntaram e, concorrendo contra laboratórios do mundo todo que estavam atrás do mesmo resultado, saíram vencedoras.

O trabalho delas foi visto pelo próprio James Watson, o homem da Dupla Hélice, como o mais relevante da bioquímica nas últimas décadas. Basicamente, com o conhecimento que elas ajudaram a produzir, será possível reescrever genes humanos: enviar um trecho de CRISPR para as células com instruções para que o DNA seja cortado em certos lugares.

Esse trabalho de edição genética pode eliminar doenças ou até mesmo determinar mudanças nas características genéticas da pessoa. Uma avenida nova a maravilhosa para que a ciência ajude a humanidade a ter uma vida cada vez melhor e mais saudável.

Em outubro, as duas receberam um telefonema de Estocolmo. Era a Academia Sueca avisando que o trabalho delas tinha sido escolhido para receber o Nobel de Química de 2020. No discurso de explicação da escolha, a Academia disse que Doudna, junto com Charpentier, descobriu como “reescrever o código da vida”.

Enquanto isso, Doudna continuava trabalhando com projetos impressionantes, como por exemplo o desenvolvimento de soluções para a pandemia do coronavírus. Afinal, como ela e tantas outras demonstraram, meninas fazem ciência de primeira linha, sim.

A história dela agora também está disponível para os leitores brasileiros. O escritor Walter Isaacson, responsável pela biografia de vários cientistas importantes, lançou A Decodificadora, que a Intrínseca lança agora em março no Brasil.

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