A esperança é uma necessidade, principalmente para os mais novos

Para crianças e jovens, pensar em um amanhã melhor tem sido um desafio

A etimologia da palavra esperança não deixa dúvidas: seu sentido, enraizado no latim, remete à espera pelo vindouro, à confiança e à expectativa por algo melhor. Em meio a dias avassaladores, ganhou status de mensagem de união, de fonte de alento e certeza para um amanhã que demorava a chegar. “Andrá Tutto Bene”, começaram a repetir em frente aos hospitais da Itália enquanto um vírus cercava o mundo. Alastrou-se junto com a pandemia. “Tudo vai ficar bem”; “Todo Irá Bien”; “Everything’s Gonna Be Okay”, passou a ressoar o planeta, em coro.

A esperança, assim, virou uma espécie de trincheira contra histórias reduzidas a números e a gráficos assustadores, contra colapsos políticos e sociais, contra a devastação generalizada da vida. Para crianças e jovens – que ainda tentam se encontrar em meio a tantas mudanças e impasses – a “espera” não tem sido menos importante. Longe das escolas – muitas sem qualquer acesso aos conteúdos – e diante de novas rotinas e de maneiras distintas de conviver e de se relacionar, pensar em um amanhã melhor não tem sido apenas um conforto, mas um desafio.

“A gente acaba entendendo a esperança quase como um mecanismo que precisamos manter para evitar estados maiores de tristeza, estados de desanimo, de apatia. Se a gente não tiver o mínimo de esperança, caímos em um estado mais depressivo, e a criança não está livre disso”, observa a psicóloga hospitalar Angelita Wisnieski da Silva, do Hospital Pequeno Príncipe (HPP). “[No caso da Covid-19] As crianças e os adolescentes têm uma menor vulnerabilidade menor à doença, mas as repercussões psicossociais são mais fortes para esse grupo etário, eles sofrem mais com isolamento social, com as notícias. A humanidade toda sofre com essas notícias tão ruins, mas a criança ainda não tem capacidade que o adulto tem de fazer uma análise, de observar de um ponto de vista crítico, então elas podem ficar mais confusas”, acrescenta.

Em determinados casos, a angústia da incompreensão pode gerar consequências mais graves, desencadeando quadros patológicos. Por isso, segundo a especialista, trabalhar o sentido da esperança é mais que resguardar. Trata-se, na verdade, de um exercício que requer esforço e incentivo – como o que, mesmo diante da pandemia, não deixou de praticar a ONG Passos da Criança, que atende crianças e adolescentes de 5 a 14 na Vila das Torres, a mais antiga comunidade de Curitiba.

Cortada pela Avenida Comendador Franco, uma das principais vias da capital paranaense, o dia a dia da comunidade não parou diante da Covid-19, já que o isolamento social nem chegou a ser uma opção para os cerca de 7 mil moradores locais que vivem em condições de vulnerabilidade social. Por outro lado, as crianças se viram sem escola, dependentes do kit merenda e de uma realidade virtual pouco materializada por ali.

Na tentativa de trabalhar a esperança entre os pequenos matriculados, mesmo em meio ao caos, a ONG trabalhou com o que tinha em mãos. Criou em um jardim aberto uma espécie de “zona autônoma temporária” para manter o vínculo entre a entidade e as crianças e deu mais espaço para que suas perspectivas sobre o futuro fossem exploradas.

“É difícil falar de esperança para crianças, então pensamos em como trabalhar isso, se era uma coisa que não estava ao alcance delas. Aí mostramos que a criança pode vivenciar a possibilidade do sonho através de brincadeiras, experimentando versões dessa concretização. Se eu quero ser jogado de futebol, antes eu vou experimentar o que é futebol, vou jogar com os amigos, vou entender as regras. A gente entende que manter o sonho vivo nas crianças é oferecer para elas o máximo de experiências lúdicas para que possa aprender com isso”, conta Rudinei Nicola, coordenador pedagógico da organização.

“O que essas crianças esperam é ser um youtuber, ganhar um presente, nada muito diferentes das outras crianças. Com recortes da realidade, ter uma casa que não tenha goteira, ter acesso a comida boa. Para o adulto é fácil, porque você pergunta como ele vai fazer para alancar, mas, para a criança, é nítido que ela não é inteiramente responsável por isso”.

A nossa responsabilidade

“É importante, sim, que esse estado emocional de expectativa, de confiança seja mantido, seja incentivado”, afirma a psicóloga do HPP. De acordo com ela, em contextos como este, em que embates e dificuldades se acumulam, a esperança pode ser alimentada por destaques da própria realidade.

Um deles é explorar, por exemplo, as potencialidades que surgem paralelamente aos obstáculos. “Olhando para a pandemia, vale mostrar o quanto os profissionais de saúde estão empenhados trabalhando pelo atendimento a pessoas doentes; mostrar o potencial da comunidade científica, que pesquisadores do mundo inteiro estão voltados para um mesmo objetivo, e ensinar que a gente precisa valorizar esse trabalho. Isso vai trazer uma realidade que, talvez, a criança não tenha pensado ainda, que ela só está saudável graças a uma dezena de vacinas que ela recebeu já nos primeiros anos de vida”.

Outras possibilidades são esclarecer ainda que as dificuldades não são pontuais, relativos apenas à família ou ao núcleo em que a criança ou o adolescente vive, bem como explorar a importância da vida e do cuidado coletivo – tão evidente nos dias de hoje.

Manter a esperança, assim, não significa criar uma válvula de escape para a realidade, mas tornar a assimilação dos fatos mais compreensíveis e aceitáveis, avalia a especialista. E enquanto as mortes da pandemia se somam a cenas de corrupção, descaso, violência e intolerância, permitir às crianças elaborarem suas próprias explicações sobre o mundo é ajudá-las a dar sentido uma realidade da qual fazem parte, sem, no entanto, alienená-las da verdade.

“A gente precisaria pensar em ajudar essas crianças a manter planos, sonhos, futuros porque os sonhos mobilizam a gente a buscar. Se não tiver o que esperar, a gente não tem muito por que sair do lugar. Então, se essa criança tem um plano, sonha em fazer uma viagem, sonha em ver o amigo que está longe, que a gente possa ajudá-la a perceber que existe uma possibilidade, que esperamos que em breve a gente consiga, que as relações não estão acabadas”, conclui Silva.

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