Setembro negro

A sensação de que algo se rompeu

A leveza e o vulto fugaz
que as coisas fazem ao cair
(nevasca de pó)
antes que possamos detê-las:

Despencam tão macias nessa margem
ou, quando fechamos nossos olhos
(muro onde a treva é branca e o céu murano)
as pálpebras da correnteza abrem-se: a paisagem.

Caem sobre um rio, entre galhos, brotos
tensos, carcaças de flores sem nome, restos de teias,
sussurros na mata bruta
entre o baque das bocas e rostos de rocio,
florboleta, orquideia, pensavenca.

Do lado de fora estava a realidade.
Do lado de dentro uma cidade
feita de gestos e movimentos,
penumbras, espantos, estranhos, pensamentos.

Seguimos até sua foz,
mas sem esperança de encontrar a foz:
o sonho era um pesadelo.
Vimos recifes de sangue, muros barrocos
lutando contra o mar, e a estrela brigando como nós
contra as luzes da metrópole.

Havia um paralelo misterioso, um mundo
entre a simples queda de uma folha de papel
e a reminiscência veloz que num segundo
nos levou para algum lugar, zoom, canto de céu. 

Da queda o que ficou foram gritos e ruídos,
Densa nuvem de carne, cimento e plástico no céu da tela
Não a ternura que habitava a sua voz
(A sensação de que algo se rompeu)
Solidão, recife, estrela.

De Nômada (Lamparina, 2004).

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