Uma história mais do que necessária. Uma HQ fundamental para qualquer pessoa que queira compreender a construção patriarcal em torno do corpo feminino.
(Peraí, eu já falei isso antes. Foi na coluna do dia 14 de julho, sobre o livro de Robson Villalba que narra em quadrinhos o impeachment de Dilma – tirando a parte “em torno do corpo” das mulheres. De novo, um livro comprado na Itiban, local que ajudou a formar meus filhos, eu, e muita gente).
A Origem do Mundo, da sueca Liv Strömquist, traz, em desenhos incríveis, um apanhado histórico das “partes íntimas” feminina. É impossivel descrever o que a autora fez.
Para se ter uma ideia, L’Origine du monde, o quadro de Gustave Coubet de 1886, ainda choca. Tanto que foi difícil achar imagens dele. Por aí, fica evidente que em 2022 sabemos muito, muito pouco sobre a vulva, o clitóris e a menstruação.
A humanidade tem uma relação muito torta com o corpo feminino. Liv nos mostra, através de muita pesquisa (em cada página ela traz a bibliografia), que homens comandaram a religião e a ciência ao longo de séculos.
Um exemplo. Foi apenas em 1998 – portanto, há 24 anos! – que uma médica do Melbourne Royal Hospital descobriu que o clitóris tem sete a dez centímetros. O que a gente enxerga é como a ponta de um iceberg – ele tem duas “pernas” que abraçam a vagina.
Hoje, é normal ver lojas que vendem vibradores de todo tipo e até clitóris com perninhas em tamanho real, além de sites e perfis que falam sobre masturbação feminina e menstruação. Isso, para quem está ligado no assunto. Ou seja – uma parcela ainda pequena da população feminina no Brasil.
Liv nos mostra que nos primórdios, a vulva era retratada, em esculturas, como símbolo de poder. Sim!
Em várias culturas, uma mulher de pernas abertas, com a vulva e os lábios grandes, era como uma gárgula ou carranca: espantava o mau olhado, e até o demônio, numa ilustração antiga. Uma escultura como essa foi achada num convento na França!
Ela revela também que Freud contribuiu negativamente para a sexualidade da mulher. O inventor dos sucrilhos, Kellogs, e Sartre também, entre muitos outros.
Depois do Iluminismo, a noção que o desejo das mulheres era fraco, quase inexistente, e que o pênis masculino comandava a relação, ficou cada vez mais forte.
E tem muito, muito mais.
A autora desenha com humor e até se coloca na história. Às vezes, até engana o leitor.
Tirando da descrição do livro pela editora, Quadrinhos na Cia., “culpabilizar o prazer é um dos mais efetivos instrumentos de dominação (…) uma crítica hilária, libertadora e instrutiva sobre o sexo feminino”.
Sobre o/a autor/a
Bia Moraes
Bia Moraes é jornalista desde 1990. Entre redações, assessorias de imprensa e incontáveis frilas, foi redatora, repórter, pauteira, colunista e editora, mas prefere ser conhecida como repórter fuçadora de lugares e pessoas.