A Vegetariana e várias camadas de interpretação

Machismo, insanidade, erotismo, libertação… Han Kang produziu um livro que não dá para esquecer nunca mais

Como falar da opressão machista nem tocar no assunto? Tendo uma narrativa genial, como a da autora sul-coreana Han Kang. Em A Vegetariana, três pontos de vista diferentes sobre a vida de uma jovem falam tudo que têm para ser dito, sem dizer nada sobre a cultura patriarcal que domina o mundo, e nesse caso, a cultura oriental.

O marido da vegetariana do título é a voz do primeiro capítulo. O marido da irmã conduz o segundo, e a irmã, a terceira parte do livro.

Somente na página 34 da primeira parte – de um total de 72 páginas – o nome da personagem principal é citado. Pela irmã.

Yeonghye é nome dela, que só tem voz narrando os próprios sonhos. Pesadelos que a transformaram em uma mulher que, de um dia para outro, passa a ter rejeição absoluta a comer carne.

No capítulo inicial, o marido vê Yeonghye como uma peça de engrenagem que serve, literalmente, para a vida dele. Na segunda parte o cunhado enxerga Yeonghye como um objeto. No caso dele, que é um artista, a jovem é parte de uma obra em que ele está trabalhando e objeto de desejo. É um vídeo sobre corpos pintados fazendo sexo – e Yeonghye é o grande sonho do artista. Uma mancha que ela tem, de nascença, é o motivo do desejo dele.

Finalmente, a irmã. Inhye é única pessoa que enxerga Yeonghye como pessoa também. O único personagem que traz a verdade sobre a vegetariana. É nessa parte que a autora se entrega. Han Kang revela a verdade sobre as duas mulheres, e sobre as mulheres coreanas.

Terminado o livro, depois de três leituras, ainda me pergunto: quem é Yeonghye?

A Vegetariana não é um livro para ser esquecido. Ao contrário. Vou guardá-lo para ler outras vezes mais. Presente da Mitie, da livraria Itiban – onde eu comprei Lula, de Fernando Morais, e outras dezenas de livros – é instigante e revolucionário. Um livro com tantas camadas que a cada leitura se revela mais e mais.

Perguntei para três amigas qual a principal impressão que ficou de A Vegetariana. Uma falou que o machismo presente no livro é muito forte. “Os homens entendem que podem decidir por ela”, me disse. O que mais a impressionou foi como Yeonghye “nega a sua condição de animal e passa a viver como planta”.

A segunda amiga achou “surpreendente, instigante, exótico, profundo e cheio de sobreposições, trazendo diferentes níveis de leitura”.

Por fim, a terceira sentiu como o drama familiar interfere na vida de cada um, como cada pessoa escolhe viver aquela tragédia. E o caminho encontrado por Yeonghye parece “libertador” para ela.

A Vegetariana ganhou o Man Booker International Prize de 2016 e foi publicado no Brasil pela Todavia. Nascida em 1970, Han Kang cursou literatura coreana e chegou a trabalhar como jornalista. Em 1994, teve um romance publicado, e no ano seguinte, um livro de contos. A Vegetariana foi publicado em 2006.

Filmes

Foi feito um filme sul-coreano sobre o livro, exibido em Sundance. Mas não encontrei. Está aí o cartaz, mas duvido que faça justiça ao filme.

Sugiro A Criada, também sul-coreano, de 2016, vencedor do Bafta (premiação britânica) de melhor filme estrangeiro. Traz o erotismo oriental em uma trama também perversa. Não está disponível online – só mesmo baixando.

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