A Pediatra: mulheres, fragilidades e loucura

Só sei que Cecilia vai habitar meus pensamentos por muito tempo, e é uma personagem que sempre vou lembrar

Vilã. Psicopata. Mulher má.

Malvada. De novela da Janete Clair.

É assim que Andrea del Fuego escreveu A Pediatra. Faz você torcer por ela, digo, pela protagonista. Intrigante. Sedutora.

Um trecho: “Se eu tivesse parido Bruninho, diria: não gosto de criança. Gosto do meu filho”.

(Conheci uma mulher malvada que dizia isso constantemente: Gosto dos meus filhos, não de criança. Conheço mulheres, inclusive eu, que não gostam de criança, gostam dos próprios filhos e parentes próximos. Conheço mulheres que não tem filhos por opção e adoram crianças).

A história gira em torno de Cecilia, a pediatra, e Bruninho, filho de um homem casado, que é amante de Cecilia. A narrativa vai num crescendo na loucura dela, cada vez mais e mais. Como a mente de Cecilia.

Ela necessita ter controle sobre as pessoas, mas a paixão pelo Bruninho – cega, mas volátil – contamina a pediatra; e me atingiu também.

Outro trecho: “Mas eu teria que gostar dessas pessoas, esse elenco atual eu podia botar na rua sem dar satisfação”.

Cecilia é louca? Ou é como todo mundo está depois da pandemia – um pouco ou muito doido? Só sei que Cecilia vai habitar meus pensamentos por muito tempo, e é uma personagem que sempre vou lembrar. Ela pertence a outro mundo, bem diferente do meu, mas um mundo conhecido (São Paulo, gente rica). É fascinante. É sedutora. É má. É muito boa.

Segue a entrevista com Andrea:

Imagino que você fez uma pesquisa para compor Cecilia, ou você tem alguma relação com a medicina?

Minha relação é como paciente. Mas sempre me interessei por esse universo. A pesquisa incluiu leitura e escuta.

O quê levou você a compor uma personagem como Cecilia? Ela é muito má.

Ela é má mesmo tendo fragilidades, o que a deixa como alguém bem mais próximo de nós, incluindo partes de nós mesmos.

As pessoas que cercam Cecilia parecem incompetentes, e isso é traço de psicopatia. Ela é psicopata? Ou a condição mental de Cecilia é outra?

Por não ser psiquiatra, eu não saberia diagnosticar a Cecília. O que posso dizer é que ela se desconecta do real, seu pensamento voraz nubla boa parte ou quase toda a realidade.

O cheiro tem papel relevante no livro. Eu pude sentir o cheirinho do Bruno. Você também tem isso com cheiros? 

Tenho uma relação intensa com cheiro, isso ficou mais forte com o nascimento do meu filho. 

Celso é amorfo. O pai de Cecilia é, também, um pouco. Robson é o homem que desperta alguma coisa nela. Ricos brancos versus pobre?

A história não acaba quando termina. Essas relações poderiam se dar na linha do tempo da personagem, ficam como sugestões. Cecília poderia perfeitamente namorar Robson, mas não sei se Robson gostaria de tê-la como parceira.

Você chegou a pensar em outro final?

Escrevi um final redentor que eliminei na segunda leitura do original. Fica no ar o seu pulo no escuro, cada vez mais entorpecida por ela mesma. 

Cecilia é louca. Será que toda mulher como ela – branca, rica, morando em uma cidade grande e profissional independente de qualquer ser humano – pensa mais ou menos como ela?

Qualquer pessoa poderia ser a Cecília no que diz respeito à frieza com o outro. Na verdade, qualquer pessoa pode romper com a ética e namorar certa loucura em algum momento da vida. Claro que há graus, há pessoas onde a maldade é camuflada, em outras, é sua marca.

Filmes

Longas sobre loucas e psicopatas em geral, homens, existem aos montes. Mulher louca geralmente é vista como culpada da própria loucura, por diretores homens. Destaco:

Monster – Desejo Assassino (péssimo título em português), em que Charlize Theron vive Aileen Wuornos, uma serial killer lésbica, cuja namorada é papel de Christina Ricci. O filme foi dirigido por Patty Jenkins.

Mulher Solteira Procura, de 1992, dirigido por Barbert Schroeder; Estrada para Perdição, de Sam Mendes; e Os Oito Odiados, de Tarantino – todos por causa de Jennifer Jason Leigh, atriz e figura incomparável.

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