O Brasil não tem suas riquezas atreladas ao agro

No terceiro trimestre de 2021, o agro todinho, não fez 10% do resultado que fizeram os serviços ou sequer um terço dos resultados da indústria

Há vezes em que peço ajuda para uma correção ou outra no meu texto. Engenheiro que sou, nunca tive treino formal em escrita, portanto, certas regras e convenções escapam ao meu conhecimento. Tenho uma grande amiga para puxar minhas orelhas e me ensinar um truque ou outro. Ela me ensinou que essa enroladinha que eu geralmente dou no começo dos meus artigos, se chama: “nariz-de-cera”. Trata-se de um parágrafo introdutório que retarda a entrada abrupta em algum assunto principal.  Você que me lê, sabe que é um subterfúgio que eu uso com certa frequência e ainda bem que ele existe, pois o meu sangue ferve toda vez que ouço falar do tal Pacote do Veneno e da falácia do agronegócio brasileiro.

Ao contrário das palavras, números me foram ensinados à exaustão. São mais enfadonhos, eu sei, por isso não comecei com eles, mas são necessários quando tentamos defender algo que entendamos como verdade. Portanto, serão eles que me ajudarão a enxergar por detrás da cortina de uma massificada e falaciosa propaganda, que tenta disfarçar o agronegócio (ou agroindústria – para dar ares de pseudo integração científica) como qualquer coisa que não crise ambiental, exploração e um escarcéu econômico.

Pequenas definições se fazem necessárias: não tratamos aqui do pequeno – ou até médio – produtor rural, nem da agrofloresta ou das plantações orgânicas, estamos falando dos grandes, que hoje são da soja e do milho mas já foram do café e da cana-de-açúcar. Dito isso, comecemos: em primeiro lugar, o Brasil não tem suas riquezas atreladas ao agro, ao contrário do que os seus “think tanks” alardeiam por aí. Inclusive, a fantasia mais nova destes centros é de que o agro é responsável por aproximadamente 30% do PIB – Produto Interno Bruto – nacional e isso, simplesmente, não é verdade.

Em tabelas divulgados pelo IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – vemos nominalmente o agro ficando atrás de serviços e indústria na composição do PIB nacional. Seja em séries históricas ou no último trimestre compilado. Para se ter uma ideia, neste segundo exemplo, no terceiro trimestre de 2021, o agro todinho, não fez 10% do resultado que fizeram os serviços ou sequer um terço dos resultados da indústria (essa sim dilapidada há décadas). Como pode ser possível este milagre replicado em tantas publicações por aí? Simples: o agro inventa muitos números sobre si mesmo, inclusive o próprio PIB.

Área de plantação de soja. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil.

Do lado da história onde já passaram as organizações científicas que concluíam o fumo como benéfico para saúde, por exemplo, está o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (Esalq), unidade da Universidade de São Paulo (USP), localizada em Piracicaba-SP. Este “think tank” do agronegócio estipulou a metodologia que apura a supervalorização da importância do setor em 30% do PIB – ainda que a metodologia do IBGE aponte para 6% como média histórica – arredondado para cima, por mim.

O centro, para justificar-se, diz que IBGE apura o resultado da “porteira para dentro”, da onde se pode depreender que a organização compila seus dados através da sobreposição de atividades acessórias à produção do agro. É claro que essas não derivariam, mas sim, serviriam de insumo para o setor. Portanto, apurar os números desta maneira seria tão inadequado quanto chamar de produtor pecuário aquele que vende hambúrgueres em uma lanchonete. A entidade deixa claro que recebe apoio financeiro da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil, a CNA, para compilar o PIB das cadeias produtivas do agronegócio, ou seja, a parte interessada patrocina o relatório sobre os próprios resultados.

Outros números interessantes do agro: um milhão de hectares é o que a Amazônia pode perder por ano para dar lugares a pastos e culturas agropecuárias; 27% aproximadamente é o que deve crescer em tamanho as plantações de soja, 63% é para quanto devem diminuir as atuais áreas de feijão e 35% as de arroz, até 2030. 562 é o número total de agrotóxicos liberados no Brasil ao final de 2021, o maior número da série histórica. Além disso, dois é a quantidade de anos em que batemos recordes de novas liberações. 

Vinte anos é quanto se conseguiu retardar um projeto nefasto criado por Blairo Maggi e agora desenterrado na infinita passada da boiada bolsonarista, a PL dos Venenos. Uma, o Ministério da Agricultura, será a única agência responsável por liberar o uso de agrotóxicos no país, em detrimento do que possa ser dito pela Anvisa e pelo Ministério do Meio Ambiente. Essas últimas três concorriam em igual poder pelo veto na aprovação de novos agrotóxicos. Com a promulgação da lei, que teve seu projeto já aprovado pelo Congresso Nacional, o Meio Ambiente e a Anvisa passam para um papel figurativo, com zero influência sobre o assunto, onde reinaria soberana a pasta dos agroboys. 

Luiz Nishimori (PL-PR) é o relator do projeto de lei conhecido como Pacote do Veneno. Foto: Agência Câmara.

331 milhões de toneladas é o que deve chegar a  ser a produção de grãos do país até 2030. Um saco de soja de sessenta quilos custa em média, em valores atuais, R$ 190,00, e esses números serão, indubitavelmente, os parâmetros a serem observados na autorização de novos agrotóxicos, que somam dois mil desde o início do governo Bolsonaro. Por último, mas não menos importante, R$ 380.000,00 foi quanto recebeu o deputado bolsonarista e relator do PL, Luiz Nishimori (PL-PR), de empresários e executivos do agronegócio na campanha que o levou à Câmara dos Deputados em 2018. Três são os senadores paranaenses bolsonaristas a quem agora cabe a decisão sobre o projeto de lei.

1500 é ano do descobrimento de uma colônia de exploração que ainda não encontrou seu destino como país. Uma bancada, a ruralista, é quem ainda quer jogar o país nesta inércia histórica que nos relega às profundezas das trocas de mercadorias mundiais, esta eterna fazenda extensiva, de trabalho pago com a vida de seus escravos. O corpo que trabalhava, agora é substituído pelo corpo que passivamente se envenena, para que a casa grande continue contando seus lucros por cima do meio ambiente arrasado por suas cobiças. O Brasil não merece um setor que não tem nada de pop, nem de tech ou muito menos de tudo, o agro é atraso, morte, falácia e nada mais. 

A PL dos Venenos deve ser parada urgentemente!

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