Comida para o fim de uma pandemia (I)

O cronista André Bezerra fala sobre o que pode mudar para restaurantes e bares depois da Covid

“Quando a gente fala em tendência, a gente tem que tomar muito cuidado. Quando fala em tendência a gente tá falando de comportamento, certo?”  A fala inaugural do meu entrevistado já dava indícios de que o papo seria mais denso do que uma simples lista de palpites. Acostumado a ver para além do balcão, esse cronista londrinense me encontrou numa calçada calma do bairro Vila Izabel, para uma resenha gastronômica, regada a comida de boteco, cerveja e drinks. André Bezerra é um habitué da gastronomia da cidade. Uma voz a ser respeitada, dada sua imensa experiência cobrindo a cena local, além de sempre executar a sua escrita de forma generosa, atenta e afetuosa, como bom escritor que é.

O papo que tivemos faz parte de uma série de quatro colunas falando sobre tendências neste cenário aliviante do pós-pandemia. André foi o escolhido para tratarmos de nossa tão amada baixa gastronomia e o cenário não poderia ser diferente: esquina, cadeira, mesa, ar livre, cerveja e acepipes. Nesse arranjo tão familiar a ambos, brincamos de prever o futuro, eu e o “escritor para matar a fome”, como se intitula, e tentamos adivinhar o que vamos ter de diferente nesta tão esperada fase libertadora que parece dar seus ares já neste finalzinho de 2021.

Entrando no nosso tema, depois de necessárias cervejinhas para mim, cubas libres para ele, André me conta que aposta na intimidade para esses novos tempos. “Eu acho que a tendência é enxugar um pouco. Claro que ainda vamos ter eventos grandes mas as pessoas ainda vão ter um pouco de receio. Acho que vai ser necessário que lugares que fazem eventos grandes, como a Pedreira, por exemplo, tenham soluções para as pessoas aglomerarem menos. Por outro lado, vejo que os produtores de eventos estão percebendo isso também e estão vendo o valor de eventos menores. Eventos que você possa trabalhar um pouco mais com o público, o tema e o próprio ambiente.”

O escritor me explica que uma das inúmeras vantagens de se manterem esses petits comités, está relacionada à propaganda gastronômica. Num evento recheado de jornalistas, lotado de gente, é complicado dar a atenção que se merece ao objeto da divulgação. “Inclusive, uma coisa que eu conversava muito com as assessorias de imprensa é sobre todo mundo marcar evento pro mesmo dia e todo evento ser para quase vinte jornalistas. Me diga, qual é o assessor de imprensa ou qual é o time de assessores que vai dar conta de vinte de jornalistas? Se eles estiverem ali para efetivamente realizar o que estão ali para realizar, que é se interessar pelo lugar, pelo o que está acontecendo, querer conversar com pessoas dali, se se são vinte, você não tem o mesmo acesso. No lugar de fazer um evento para essa quantidade de gente, faz-se cinco eventos para quatro pessoas. Acima de tudo, por que querer vinte jornalistas publicando sobre o meu evento na mesma semana, se não seria melhor quatro jornalistas publicando em uma e outros nas quatro seguintes?

Forasteiro que sou, acompanhei nos últimos cinco anos Curitiba ganhar a rua. Num movimento impulsionado pelos experimentos das “prainhas”, da baixa gastronomia e da cerveja artesanal, que ganhou o gosto de boa parte da juventude, a cidade buscou, da porta para fora, um lugar para se acomodar. Se antes a arquitetura sulista, tragava as pessoas para dentro, hoje, até pelos modelos de negócios mais enxutos, ela convida os clientes a tomarem parte do espaço público. Eu e André, estamos na mesma página com relação a essa tendência, aparentemente acentuadíssima pela pandemia. “A gente também observa que as pessoas têm a tendência de irem para fora, ficar ao ar livre, em áreas externas, tanto no boteco quanto na balada. Mesmo em Curitiba que faz frio, percebe-se que as pessoas insistem em ficar do lado de fora. Olhe onde nós estamos agora, em uma esquina aberta, em um lugar chamado Calçada da Vila. O nome do bar, que nasceu no final da pandemia, já nasceu com o nome calçada. A primeira coisa que alguém já percebe sobre o bar é que vai ter mesa do lado de fora.”

Mergulhando de fato na nossa amada baixa gastronomia, o londrinense observa que o boteco mudou e seus frequentadores também. “Veja, não estamos somente falando da divisão de público entre homem e mulher, a gente tá falando de família, de pet, etc… Cansei de ver cachorro preso com a guia no pé da mesa, por exemplo. Os botecos estão muito mais democráticos”. André aposta num espaço não só mais plural como também mais convidativo, que elimina clichês machistas, relacionados ao velho confessionário etílico dos “lobos solitários”.  “As pessoas têm que tirar da cabeça que essa história de boteco é para encostar na bancada só para beber, tomar pinga, não! Vou te dar um dado, eu realizo o Comida di Buteco aqui em Curitiba, há nove edições, algo que nós sabemos é que vai mais mulher que homem no boteco. De pelo menos três anos para cá, o Comida di Buteco detecta isso em suas pesquisas e observações. Bom, a Chandon patrocina o Comida di Buteco e você sabe que seu produto é um espumante. Como o Comida di Buteco convenceu o Marketing da Chandon? Nós mostramos esses dados. Já estávamos perto de 60%, três anos atrás, de frequência feminina nos bares”.

Outra muito bem-vinda tendência, por conta deste público plural estar adentrando o salão, é isso se refletir nos cardápios e saídas da cozinha. Ainda que haja clássicos de comida de boteco que sejam mais rudimentares, refinar o cardápio é uma tendência, sem abandonar a essência descomplicada que andou de mãos dadas com a tradição botequeira brasileira por toda uma vida. Conservas, fermentação, salumeria e um cardápio mais focado em especialidades, mais enxuto, parecem completar os palpites do meu entrevistado para o futuro que nos espera.

A conversa ainda teve muito mais. Através da fala calma de André Bezerra, pude sentir que ele aposta de coração na explosão desse convívio que nos foi tirado por dois anos quase. O escritor nos convida a ver o bar como o anexo de casa, lugar de encontro, possibilidade e abraço. André enxerga uma aglomeração seleta e confidente, a integração bar e rotina. Ele vê os próximos anos serem celebrados pelas calçadas e salões regados a muita bebida e comida de qualidade. Ele vê no bar, a integração que a gente precisa e tanto anseia. Que visão mais bonita, meu querido!

Sobre o/a autor/a

Compartilhe:

Leia também

O (des)encontro com Têmis

Têmis gostaria de ir ao encontro de Maria, uma jovem vítima de violência doméstica, mas o Brasil foi o grande responsável pelo desencontro

Leia mais »

Melhor jornal de Curitiba

Assine e apoie

Assinantes recebem nossa newsletter exclusiva

Rolar para cima