Beto Madalosso: “A elite dizer que sabe o que é bom para o país é ridículo”

Uma conversa com um dos filhos pródigos da família sinônimo de Santa Felicidade sobre política e gastronomia

Conversar com o Beto Madalosso é sempre divertido. Ele te dá aquela sensação de gente visionária, que está com a cabeça em mil lugares da gastronomia ao mesmo tempo. Pudera, Beto observou o setor em Curitiba de lugar privilegiadíssimo. Com sobrenome que dispensa apresentações, um dos filhos pródigos da família sinônimo de Santa Felicidade, conversou comigo mais uma vez sobre gastronomia, um pouco de gestão e é claro, política. O dono do Madá Pizzaria e do Carlo Restaurante antagoniza o status quo empresarial tradicional com sua visão política e não havia como não ampliar e tornar pública essa narrativa, já que das humanizadas estamos tão carentes nos dias de hoje. Tive a oportunidade de chamá-lo para conversar mais uma vez e trago nesta coluna o melhor desta conversa tão prolífera.

“O que a gente nota é que quando fica mais amena a situação da pandemia, quando muda a bandeira e a coisa está mais segura, os hospitais não estão lotados, o pessoal sai, vai consumir, quer curtir, quer estar juntos. Eu acho que é um mercado que volta imediatamente, com muita força, no meu ponto de vista. Quem ficou está trabalhando melhor porque aprendeu a trabalhar melhor, a crise faz isso. A pandemia trouxe a crise e está fazendo a gente trabalhar melhor, com mais tecnologia, mais automação às vezes, mais profissional, com mais cuidado com higiene, mais enxuto em termos de gestão. Então quem ficou vai ficar forte, vai ficar.” Beto é otimista com relação ao fim da crise e quando perguntado sobre os quase trezentos mil empreendimentos gastronômicos que fecharam por conta da pandemia, de acordo com a Abrasel, diz: “E assim, uma coisa que eu observo, que a gente via na Abrasel, na qual participei por muito tempo e muito assiduamente, é que é um mercado (da gastronomia) porta de entrada para muita gente. Então, é o cara que talvez tenha perdido o emprego e decide abrir uma portinha para vender alguma coisa. Ao mesmo tempo que extermina uma parte do mercado que já estava meio capenga, vem outra galera e entra no lugar, vai tomando o espaço. Fazer gastronomia é muito acessível para qualquer pessoa: é vender pão, rosca, sorvete, bolo, sanduíche, marmita fitness, abrir uma portinha, vender espetinho. Dá muita oportunidade para as pessoas entrarem e como muita gente vai estar procurando o que fazer, acaba dando essa abertura. Eu acho que quem ficou vai trabalhar melhor, mas o mercado vai continuar o mesmo porque sai um e entra outro”.

Perguntei-lhe se havia a intenção de abrir mais negócios no curto/médio prazo. Suas ambições seguem o fio do seu otimismo na medida em que o empresário caminha para consolidar-se ainda mais como um grande da gastronomia curitibana: “eu acho isso natural de quem tem negócio e principalmente quem tem mais de um, que é o meu caso. Eu tô com três restaurantes. Acho que não é tão natural para quem tem apenas um negócio. Porque quem tem um fica sempre pensando em ter mais um ou não”. Beto também reconhece com clareza a mudança de perfil necessária para o empresário que almeja o aumento do número de seus negócios. Há uma dependência mais operacional quando se tem menos negócios, ao mesmo tempo em que, no aumento de seu número, essa dependência vai se tornando mais estratégica. “ Acho que é muito natural quem tem três, olhar para mais, porque a coisa chega num nível de gestão mais profissional quando você tem mais negócios e eu tô no meio desse caminho.”

“Foi o que salvou nosso restaurante, inclusive os empregos nele.” Seu exemplo do uso dos controversos aplicativos de entrega foi excelente de acordo com suas palavras. Beto traz uma análise estratégica de seu uso e chancela sua conversão para o time dos que apoia sua eficácia. “Nós reduzimos a equipe, mas mantivemos a cozinha intacta por conta das vendas nos app de entrega. Eles são muito mais que aplicativos de entrega. É isso que temos que compreender de uma vez por todas. Eles são uma conexão entre restaurantes e clientes. O restaurante que tenta não usar o aplicativo de entrega, tem uma venda inferior. Se ele não tem uma tradição, um relacionamento com o cliente bem enraizado e uma preferência muito forte do seu cliente para que ele faça venda por WhatsApp por exemplo, o cara não vende nada. Se ele faz um trabalho bem feito dentro de um app de entrega como o Ifood, que é o mais forte que tem, ele pode até viver só disso. É bom sempre comparar o marketplace, o Ifood seria o shopping. O Ifood é o shopping Barigui, todo mundo quer estar no shopping Barigui. Então temos que entender isso como um lugar para colocar a sua loja e potencializar suas vendas. Hoje eu não trabalharia mais sem o Ifood e eu o acho excelente.” Com uma observação muito oportuna admite que nem tudo são flores: “Mas claro, há outra parte da crítica que é: eles são legais com quem trabalha com eles? Então, já é outra história“.

Foto: Alexandre Carnieri.

Esse tipo de observação vem atraindo seguidores que já somam quase cinquenta mil no seu Instagram. Há algo que nos chama a atenção sobre a forma com que o empresário concilia suas funções clássicas e posição social com suas opiniões e análises políticas mais plurais e humanizadas. Quem o acompanha sabe que o papo seria inevitavelmente sobre política também. Ainda que sua experiência seja das mais valiosas, seja por conta de seu currículo, seja pelo berço gastronômico de ouro, o Madalosso não se faz de rogado em apresentar suas opiniões políticas e foi taxativo quando perguntado sobre a condução do governo de Jair Bolsonaro (sem partido) sobre a pandemia que nos arrasa há mais de um ano: “Um desastre”. Em sua opinião, faltou coordenação para estados e municípios com o governo federal. “Tivemos um governo negacionista falando em ‘sair todo mundo’ e imunização de rebanho, o que largou todo mundo assim e os estados um pouco perdidos sem saber o que fazer. Acabou virando essa guerra.”

O seu desafeto pelo presidente da República é notório e já lhe custou também muitas críticas. Quando lhe perguntei sobre uma possível rejeição de clientes por conta do seu posicionamento, Beto pondera: “Assim, eu tenho certeza que em momentos de maior turbulência política, tipo eleições de 2018, ou em outras passagens onde isso ficou mais à flor da pele, com certeza!”. O empresário me conta também que suas críticas nunca foram exclusividade do governo Bolsonaro e o começo de suas falas políticas se deram ainda durante o governo do PT. E sobre esse período, revela: “Eu era mais grosseiro, mais tosco, eu acho que repelia pessoas, né? Com certeza houve um afastamento”. Hoje em dia, o empresário pensa diferente: “Ao mesmo tempo, te falo que eu busco encontrar uma maneira de ter a contundência, mas não levar a ruptura do relacionamento. Me incomoda saber que eu posso perder cliente por conta de política. Então, veja, eu mesmo tenho rabo preso com meu cliente (risos). Não há um compromisso, mas não quero perdê-lo e eu vou tentando um espaço para poder falar”.

Foi lugar comum por muito tempo no país falar mal do Partido dos Trabalhadores – o PT – tanto por conta do extenso tempo em que ele ficou no poder quanto por críticas absolutamente merecidas. Porém, há alguns anos, as críticas ao partido foram se consolidando como bandeira política, especialmente após a Operação Lava-Jato e seu ataque contundente ao partido e seus correligionários. Contudo, muita água passou por debaixo desse caudaloso rio Amazonas que é a política no Brasil, desde a operação, e a bandeira, para alguns setores da sociedade civil, nos moldes estipulados pela mídia há anos atrás, permanece hasteada até hoje, mesmo o partido já estando fora do poder há quase cinco anos. É interessante notar que correligionários do atual presidente da República, principalmente empresários de diversas montas, apropriando-se das cores da bandeira e insígnias nacionais, agitam essa flâmula que engloba , dentro de seu imaginário, qualquer generalização de símbolos de esquerda política, comunistas (sic) e do Partido dos Trabalhadores ou qualquer outro ente que se oponha a seu líder máximo.

Mas o jovem Madalosso não, ele pensa diferente, apesar do histórico parcialmente compartilhado com muitos desses empresários. Essa transição foi também pauta de nossa conversa: “O que me fez mudar foi sempre tentar fazer uma análise no lugar do outro, da pessoa que trabalha comigo. Como é que o Estado atende a essa pessoa e atende a mim? Acho que uma vez me deu muito essa virada de chave quando em casa estava essa discussão, assim: ‘aaa, essas pessoas não sabem votar’, ‘o pessoal daqui, dali e acolá não sabe votar’ e eu fiquei com aquilo na cabeça. Por que eles não sabem votar e nós sabemos?”. Por meio de sua investigação pessoal, relata que chegou a possíveis razões desse conflito e está convencido de que esse se dá por conta da disparidade de renda e classes no país. “Quem tem dinheiro tem essa soberba, né? Essa noção de que sabe o que é melhor pro país mais do que quem não tem. Vem dessa junção de coisas: ‘a gente que tem negócios, a gente sabe o que é bom’ e ‘eu que tenho negócios sei para onde o país tem que caminhar’. Cara, eu comecei a olhar e vi que isso é ridículo! E depois fui vendo o quanto essa estrutura se repete. É  muito elitista. O curso  (Beto está fazendo um curso de sociologia) trouxe isso para mim: entender a história, entender a concepção do Brasil que sempre fora voltada às elites econômicas. A gente é fruto disso, ficamos repetindo essa ideia. Talvez exista um caminho melhor para gente que esse que tá sendo repetido. Porque esse não tem sido o melhor.“

Insisto, perguntando-lhe como se deu essa mudança. “Eu entendi que os pleitos, que os interesses na política da elite são só a manutenção do que está. No discurso da elite tá bom assim. Não há o que pleitear. Eu notei que quem tem o que pleitear são pessoas mais pobres, ou excluídas em costumes e economicamente. Enquanto eles têm direitos a serem igualados eu noto que pessoalmente, a elite não tem uma questão própria a reivindicar. O empresário até pode falar da burocracia, do sistema tributário complexo, essas coisas assim. Existe um pouco de lógica nisso, não dá para negar. Mas nem sempre dizer que você está gerando emprego quer dizer que você está gerando um lugar mais digno para quem trabalha para você. A história da precarização da legislação trabalhista pode fazer com que quem tem negócio vá melhor, mas isso não significa que você está melhorando a vida de todo mundo.”

Foto: Alexandre Carnieri.

Beto reconhece que talvez haja espaço para o diálogo com relação às leis trabalhistas, mas conclui: “Claro, é uma linha sutil. É difícil, por exemplo: você faz uma rescisão de um cara que trabalhou contigo e ganhava ‘dois conto e meio’, trabalhou quatro, cinco anos e a rescisão é ‘vinte conto’. É difícil lidar com isso. Essa até pode ser uma reclamação que pode ser feita, mas morre aí. Não tem mais do que reclamar quem tá na nata da sociedade. Quem tem o que reivindicar são essas pessoas que não têm acesso a porra nenhuma. O entendimento político muda de uma hora para outra quando você começa a olhar pro outro. Porra, se eu quero eleger essa pessoa, quem aquele cara que não sou, que é meu oposto, quer eleger? Por que ele tá errado e eu tô certo? Será que ele não tá mais certo que eu? Será que não é o momento dele ter esses direitos ou ter mais igualdade? Aí muda muito o espectro”.

Cada cultura tem seus símbolos e esses, seus significados. Nossa construção de pensamento pessoal se dá na medida em que assimilando esses símbolos, damos significados a eles, formando assim nossa visão de mundo através da nossa história particular. O que a experiência narrativa do Beto traz de vanguarda é a capacidade de ver além da cultura em que se está inserido. E isso não é só importante, mas urgente nesse Brasil turbulento em que vivemos. A maneira na qual sua narrativa de compreensão política migra de um olhar fundamentado no seu espectro social e de convivência para um mais abrangente e coletivo, faz com que o empresário torne evidente tanto sua possibilidade, quanto a possibilidade da troca narrativa por parte de alguém na sua posição. Não nascemos predestinados a pensar de uma determinada forma particular e o jovem Madalosso deixa isso bem claro. Parabéns, Beto. Muito sucesso para você!  A segunda geração de empreendedores de Santa Felicidade parece estar mais conectada com as urgências nacionais do que nunca!


Para ir além

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