Vermelha de paixão

Gosto muito de viajar pelo Paraná. Me orgulho de poder dizer que conheço quase todos os municípios do estado. Até fiz a conta: estive em 369 dos 399 municípios paranaenses.

Me sinto feliz na estrada vendo pela janela do carro o morro virar campo e o campo virar bosque. Que orgulho que dá ver as plantações, das grandes lavouras de soja até aquela propriedade pequena com roça de milho e mandioca que a gente observa da beira da estrada.

Chegando nas cidades, gosto de conversar com as pessoas. Faço muito isso. Às vezes, vou até uma cidade só porque me convidaram para fazer uma palestra em uma escola. O público que encontro no interior é atento, interessado. Vale a pena.

Por tudo isso, eu tinha que ler “Terra Vermelha”, do londrinense Domingos Pellegrini. A urbanização da região de Londrina é recente e é uma história que ainda está sendo contada. Sorte de Londrina que tem um Pellegrini pra contar como ela nasceu.

A família dele fez parte dessa aventura, tanto é que ele colocou os avós José e Sebastiana como personagens. Eles estavam lá quando tudo começou, quando os mineiros, paulistas, nordestinos e estrangeiros chegaram em velhos ônibus, se instalaram em pensões precárias e foram procurar uma terra para plantar. A avó, que ele chama de Tiana, deixou um caderno com poemas.

Que coisas lindas o Pellegrini tirou desse caderno e colocou no livro! Olha essa:

“Está escrito no rosto

Quem trabalha pra viver

E quem trabalha por gosto”

Mas o que eu gosto mesmo em “Terra Vermelha” é que o livro é um baita romance, daqueles que pegam a gente pela mão e vão mostrando o lugar, apresentando as pessoas e cochichando no nosso ouvido as histórias de cada uma delas (tem que cochichar porque era um tempo de segredos…). A gente quer saber mais, quer saber porque o Zé brigou com o João, se aquele caso de amor vai acabar bem e até qual será o destino da moça bonita que apareceu no bordel.

O Domingos Pellegrini, ou Dinho, como ele é chamado pelos amigos, escreve solto e livre, como se contasse história na varanda da chácara onde mora em Londrina. Ele tem sua originalidade, seu estilo. E tem fôlego, do começo ao fim de suas quase 400 páginas, Terra Vermelha não perde o ritmo, o texto não perde a qualidade.

Eu gosto de encontrar no livro trechos que registram como as pessoas viviam naquela Londrina que estava nascendo (e que não faz tanto tempo assim, Londrina só tem 84 anos). O vaivém na única “avenida”, o papel do pequeno comércio (tudo acontecia nos botecos), as empresas que vão surgindo pelas mãos de alguns poucos empreendedores, as paixões que viravam problema porque os costumes eram rígidos.

Que bom que é encontrar um livro assim, tão bom de ler! Melhor ainda: um livro escrito por um paranaense e que registra uma parte da nossa história. Por exemplo, quando ele descreve o trabalho no cafezal, os peões plantando os pés de café, plantando o “ouro negro” madrugada afora, “quebrando as costas”, como diz o Dinho. Que trabalho enorme e que trouxe tanta riqueza para o Paraná. Mas são todos peões anônimos, que não estão mais aqui pra contar o que viveram e o que sofreram. O Dinho conta por eles. É uma bela homenagem.

Serviço

Terra Vermelha. Domingos Pellegrini. Editora Leya. 394 págs.

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