Dois retratos de Duke Ellington

A obra de Duke Ellington é resultado de uma intrincada estrutura de múltiplas referências estéticas e musicais, difíceis de sintetizar numa única abordagem

Ouvir é a coisa mais importante em matéria de música.

Duke Ellington.

Se realizarmos um rápido levantamento em buscadores na internet contendo o nome de Duke Ellington (1899-1974), em poucos segundos teremos milhares de referências ao seu nome e a sua obra, que se torna quase impossível escolher por onde começar a pesquisa. Constataremos que sua produção musical fez dele uma figura lendária entre as grandes orquestras de jazz no século XX, mas também porque sua obra prolífica se estendeu por milhares de registros fonográficos, atravessando diferentes momentos da história do jazz e da indústria da música.

Duke Ellington, Leonard Feather, Nat King Cole e Johnny Hodges em 1951. Foto: reprodução.

Edward Kennedy “Duke” Ellington nasceu em 24 de abril de 1899, em Washington, numa família de classe média (seu pai era um funcionário público) e tinha alguma condição financeira para manter a família. Ellington, muito jovem, interessou-se pelas artes plásticas e chegou a estudar arte decorativa e participar de um concurso promovido pela National Association for the Advancement of Coloured People (NAACP), no qual foi premiado por seu trabalho incipiente. Também na associação iniciou seus estudos de piano que, aliás, o fez abandonar a pintura por algum tempo. E foi durante essa fase, aos 25 anos, que conheceu o banjoísta Elmer Snowden, o saxofonista Otto Hardwick e o trompetista Arthur Whetsol e formaram em 1924 o The Washingtonians. Esse primeiro momento foi decisivo para o aprofundamento de seus estudos sobre teoria musical e arranjo, embora tivesse restrições quanto ao fato de permanecer no campo da música de concerto. Tanto que a partir de 1926, Ellington já passava a revelar um estilo próprio ao piano, bem como na condução da pequena orquestra que liderava, imprimindo aos instrumentos de sopro uma sonoridade muito próxima do blues, em que trompetes e trombones imitavam vozes humanas com o uso de surdinas. Momento a partir do qual Ellington passa a empregar nas suas composições e arranjos aquilo que ficou conhecido como jungle style, tal como em “Black and Tan Fantasy”:

Duke Ellington (piano e arranjador) interpreta sua composição “Black and Tan Fantasy” (com jungle style), acompanhado de Cladys Jabbo Smith, Louis Metcalf (trompetes), Joe Tricky Sam Nanton (trombone), Otto Hardwick (sax alto e soprano), Harry Carney (sax barítono), Rudy Jackson (clarinete), Fred Guy (sax tenor), Wellman Braud (baixo) e Sonny Greer (bateria). Registro de 03/11/1927, NYC.

Além do “estilo selvagem” que marcou essa primeira fase da produção do jovem Ellington e que tornou sua orquestra popular em Washington, outras experimentações e arranjos foram elaborados no decorrer dos anos 1930 a 1950 como, por exemplo, a elaboração do mood style, do concert style e do standard style. O mood style caracterizava-se pelas cores mais melancólicas e tristes e fazia referência direta ao blues, embora as canções não fossem propriamente temas do blues. De fato, uma marca de suas composições e arranjos que, via de regra, regularmente remetiam a elementos da ancestralidade africana, a presença do negro na sociedade norte-americana e, sobretudo, a enunciação – ainda que de forma latente – do racismo. Esse “temperamento blue”, por exemplo, pode ser identificado em canções como “Mood indigo”:

Ellington e orquestra executam “Mood Indigo”. Duke Ellington e Billy Strayhorn (piano), Cat Anderson, Shorty Baker, Mercer Ellington e Fats Ford (trompetes), Lawrence Brown, Tyree Glenn (trombone), Jimmy Hamilton (sax tenor), Johnny Hodges (sax alto), Russell Procope (clarinete) Paul Gonsalves (sax tenor), Harry Carney (sax barítono), Wendell Marshall (baixo) e Sonny Greer (bateria) e Yvonne Lanauze (vocal). Registro: 18 de dezembro de 1950, Estúdios Columbia, NYC.

O “estilo concertante”, como a própria expressão sugere, era empregado nas composições mais complexas e com escrita musical específica para cada instrumento da orquestra. As peças compostas no “estilo concertante” eram, na maioria das vezes, destinadas a cenas musicais ou ao teatro de revista, muito comum nos anos 1930, quando pequenas peças cinematográficas (curtas-metragens) eram produzidas a partir de um mote sonoro. No caso específico da produção de Ellington, uma dezena de peças como essa foram compostas para essa finalidade performática de sua orquestra. Exemplos de concert style são “Creole Rhapsody” (1931), “Echoes of Harlem” (1936), e a consagrada “Black, Brown and Beige” (1943):

Exemplo de concert style, “Black, Brown and Beige”, aqui executado por Duke Ellington (piano), Cat Anderson, Shorty Baker, Clark Terry (trumpet), Ray Nance (trompete & violino), Quentin Jackson, Britt Woodman (trombone), John Sanders (trombone de válvula), Jimmy Hamilton (clarinet), Bill Graham (sax alto), Russell Procope (clarinete & sax alto), Paul Gonsalves (sax tenor), Harry Carney (sax barítono), Jimmy Woode, (baixo), Sam Woodyard (bacteria) e Mahalia Jackson (vocais). Registro de 04 a 12/02/1958. Estúdios Columbia.

Por fim, a outra forma usual nos arranjos e nos timbres dos instrumentos de sua orquestra era o standard style, que como o própria denominação sugere, referia-se à forma padrão das grandes orquestras de jazz atuantes entre 1930 e 1950. Padrão que se repetia, com certa regularidade, noutras orquestras com mesma estrutura de organização, como as de Fletcher Henderson, Count Basie, Paul Whiteman entre outras. Constata-se a tradicional apresentação do tema, o desenvolvimento dos solos dos instrumentos escolhidos pelo condutor e o retorno ao tema inicial para encerramento da peça. Um dos clássicos de Ellington que representa suntuosamente bem o uso do standard style é a famosíssima “Take de A Train”:

Exemplo de standard style, “Take de A Train”, aqui interpretada por Duke Ellington, Billy Strayhorn (piano), Cat Anderson, Shorty Baker, Willie Cook, Clark Terry (trompetes), Ray Nance (trompete e violino), Quentin Jackson, Britt Woodman (trombones), Juan Tizol (trombone de válvula), Jimmy Hamilton (clarinet e sax tenor), Willie Smith, Johnny Hodges, Hilton Jefferson (saxes altos), Russell Procope (clarinete), Paul Gonsalves (sax tenor), Harry Carney (sax barítono), Wendell Marshall (baixo), Louis Bellson (bateria) e Betty Roche (vocal). Registro: 07 a 11/01/1951. Estúdios Columbia. 

Então, se percebe que o conjunto da obra de Ellington, que se estende de 1926 a 1974, parece-nos um grande caleidoscópio que sempre forma uma nova imagem à medida que nos deslocamos de um álbum para o outro. Na definição de Joachim Berendt, a obra de Duke Ellington é uma complicada estrutura de múltiplas ramificações psíquicas e musicais, difíceis de abarcar numa única linha de raciocínio. Fato que decorre não apenas do ímpeto criativo do artista e bandleader, mas pelos vários fatores que permitiram a ele e a sua banda planejarem e executarem um padrão de composição que acompanhou as transformações do mercado da música, sobretudo na primeira metade do século XX. Fato é que o conjunto de sua vastíssima obra exprime ainda hoje essa diversidade sonora e que lhe é muito peculiar. Sua obra, evidentemente, foi resultado e produto de uma criação coletiva das orquestras que liderou.

Duke Ellington e demais integrantes de sua banda jogando beisebol em frente a um hotel segregado, durante excursão à Flórida, em 1955. Foto: reprodução.

Essa relação de Ellington com seus músicos devia-se ao fato que toda canção parecia unicamente dirigida a sua própria orquestra, com exclusividade – por isso o resultado final era sempre muito distinto do que outras orquestras entre os anos 1920 e 1950 produziam em termos sonoros. Ainda segundo Berendt, essa inovação promovida por Ellington em suas orquestras deixou, por exemplo, Paul Whiteman e seu arranjador Ferde Grofé intrigados. Certa ocasião, em meados dos anos 1930, enquanto Ellington apresentava-se no Cotton Club, no Harlem (Nova York), Whiteman e seu arranjador assistiram seguidas noites as apresentações da orquestra liderada por Ellington. Noite após noite ouviram sua orquestra em busca da fórmula empregada pelo bandleader, até mesmo com o propósito de assimilar algumas ideias, arranjos e riffs. Mas tudo era tão espontâneo e de uma expressividade natural dos músicos que era difícil compreender as marcações daquilo que parecia um grande improviso coletivo. Infeliz em sua empreitada, Whiteman teria dito: “dali não se consegue copiar nada”.

Após o grande sucesso gozado por sua orquestra com diferentes formações entre os anos 1920 e 1930, Ellington conquistou reputação e colaboração de inúmeros excelentes profissionais como foram os casos dos trompetistas Bubber Miley, Art Whetsol, Cootie Williams, Freddie Jenkins, Wallace Jones e Rex Stewart; dos trombonistas Joe Tricky-Sam Nanton, Lawrence Brown e Juan Tizol; dos saxofonistas Otto Hardwick, Johnny Hodges, Harry Carney e Paul Gonsalves; dos clarinetistas Barney Biggard e Russel Procope; dos contrabaixistas Wellman Braud e Billy Taylor; dos bateristas Sonny Greer e Louis Bellson; bem como de cantoras como Adelaide Hall, Ivie Anderson e Baby Cox.

Mas essa fase dourada das grandes orquestras passou por intensa transformação nas décadas de 1940 e 1950. Primeiro, em virtude da “economia de guerra”, o início dos anos 1940 impactou severamente a sociedade norte-americana com uma série de restrições de ordem financeira e monetária. O setor da produção cultural também sofreu tais impactos que foram perceptíveis no consumo de bens culturais. No que se refere à música e ao jazz, houve um prática de “enxugamento” das grandes orquestras e muitas tiveram de se adaptar aos novos padrões, em virtude dos tempos de vacas magras. Momento em que foi planejada a concepção dos small groups, que permitia músicos seguirem trabalhando em seus ofícios, mas com um formato mais compacto e condizente com ambientes menores de apresentação – como bares, por exemplo.

Em segundo lugar, no final da década de 1940 e por toda década de 1950, outros fatores incidiram sobre um possível retorno das big bands no cenário jazzístico. Isso porque, ao fim da Segunda Guerra, o ambiente musical norte-americano já era outro com a emergência de novas concepções estéticas que haviam sido amadurecidas no processo criativo dos small groups, e o bebop apontava como novo formato de elaboração do jazz e de formação de um público mais jovem e mais politizado – ao contrário dos frequentadores dos salões e dos clubes nos quais as big bands se faziam presentes.

A orquestra de Duke Ellington, evidentemente, foi atingida por essas transformações que se operaram dentro e fora do jazz. A década de 1950 foi a mais difícil para sua carreira profissional, pois além da forçosa diminuição do quantitativo musical de sua orquestra, a concorrência com o bebop, a partir da segunda metade dos anos 1940 e a emergência de outras tendências musicais no jazz como o hardbop e mesmo o cool-jazz, fez Ellington sentir o peso dessas transformações e sua orquestra perdeu muito do prestígio que até então havia conquistado no mercado musical. Muitos de seus músicos que há anos o acompanhavam, partiram para carreiras profissionais solo e no exterior, como foram os casos de Cottie Williams, Johnny Hodges, Rex Stewart e Lawrence Brown. Podemos falar numa decadência das grandes orquestras e o surgimento de um mercado que, a partir daquele momento, começa a exigir trabalhos de uma perspectiva mais autoral e individualizada, centrada na figura do solista, em detrimento das grandes formações musicais que antecederam.

Um dos grandes momentos (senão o último!) de celebração histórica da orquestra de Duke Ellington na década de 1950, que ainda se podia referenciar nos diferentes “estilos” que definiram sua sonoridade nas décadas anteriores, talvez tenha sido a sua apresentação no ano de 1956, no Festival de Jazz de Newport. Aliás, durante a década de 1950 houve uma série de inciativas do mercado fonográfico no EUA de “restaurar” pretéritas sonoridades que remetiam a uma tradição musical norte-americana. Disseminou-se uma série de festivais de jazz pelos EUA e depois pela Europa. Algumas big bands puderam reviver as experiências coletivas dos anos de formação. Benny Goodman, que naquele momento se dedicava ao repertório clássico, voltou a tocar jazz. Louis Armstrong reorganizou sua All Stars e retornou ao mercado com seu estilo New Orleans. Duke Ellington retomou suas experiências de combos no Festival de Newport. Em meio a tantas outras bandas que naquela oportunidade se apresentaram, sua performance entrou para a história, sobretudo com a execução de “Diminuendo and Crescendo in Blue”, umas das composições mais extensas que havia escrito e em que Paul Gonsalves (sax tenor) executa um imenso solo de 27 refrãos!

“Diminuendo and Crescendo in Blue”, aqui interpretado no Festival de Jazz de Newport, em 1956, por Duke Ellington (piano), Cat Anderson, Willie Cook, Ray Nance, Clark Terry (trompetes), Quentin Jackson, Lawrence Brown, John Sanders, Britt Woodman (trombones), Johnny Hodges (sax alto), Russell Procope (clarinete), Paul Gonsalves (sax tenor), Harry Carney (sax barítono), Jimmy Hamilton (clarinete), Jimmy Woode (baixo), Sam Woodyard (bateria).

Entretanto, ao final da década de 1950 e início da 1960, aqueles grandes artistas formadores das bases do jazz moderno estavam num momento desfavorável e a circulação de suas obras restringia-se a pequenos círculos de conhecedores e especialistas em música. Na contramão das experimentações mais libertárias do jazz, bandleaders da envergadura de Ellington eram considerados antiquados e ultrapassados. Por outro lado, as experimentações mais performáticas e vanguardistas ainda estavam em processo de consolidação, sobretudo a partir das manifestações oriundas do movimento que ficou conhecido como free-jazz. Um exemplo desse descompasso entre velhos e jovens músicos no início dos anos 1960, é o saxofonista tenor John Coltrane (1926-1967). Coltrane que já havia passado por gravadoras como Prestige, Blue Note e Columbia (com o grupo de Miles Davis), estava com a carreira relativamente consolidada não fosse sua passagem pela Savoy, onde apostou na radicalização composicional com seu experimentalismo em obras como Countdown (1958), e sobretudo pela Atlantic, onde produziu clássicos como Giant Steps (1959), My Favorite Things (1960), The Avant-Garde (1960) e Olé Coltrane (1961).

Duke Ellington e John Coltrane na sessão de gravação do álbum resultante dessa parceria nada ortodoxa. Foto: reprodução.

Estes últimos discos, como descreve Ted Gioia, causou algum celeuma no meio jazzístico e dividiu o público admirador da obras de Coltrane em dois grupos diferentes. Coltrane, preocupado com a cisão causada pelos seus novos discos, mas também procurando reconciliar-se com seu público do jazz mais estandardizado – aquele apreciador dos álbuns produzidos pela Prestige – então entrou em estúdio no ano de 1962 para a gravação daquele que seria um dos álbuns históricos produzido pela gravadora Impulse: Duke Ellington and John Coltrane. Fato é que a parceria que surgiu desse trabalho teve uma dupla função importante: não apenas reposicionava a obra de Coltrane que então sofria uma série de resistências por parte de seu público mais antigo, mas também recolocava em cena a figura de Duke Ellington, que também sentia os impactos operados pelo mercado fonográfico e pelo público mais jovem consumidor de jazz, que ignorava sua produção pregressa.

Contracapa do álbum Duke Ellington and John Coltrane (1962). Foto: reprodução.

Apesar do álbum não ter conquistado na época grande repercussão, ele serviu de síntese de um processo de adaptação dos repertórios de dois compositores e instrumentistas absolutamente díspares entre si. O disco tornou-se clássico porque a valorização desse encontro se deu posteriormente, mas sua importância para compreender a ascensão e a queda das produções artísticas de Ellington e Coltrane hoje nos parece fundamental. Podemos dizer que a residualidade dos tempos memoriais do jazz de Duke Ellington convivem harmoniosamente bem com a emergente radicalidade vanguardista de John Coltrane neste álbum. Uma obra que expressa um desajuste de grande fecundidade. Um retrato perfeito dessa sessão é a execução da faixa que abre o disco, “In a Sentimental Mood” (composição de Duke Ellington), em que Coltrane singelamente dialoga com Ellington e cada um, a partir de suas respectivas referências harmônicas, estabelece as linhas melódicas em respeito ao melancólico tema. Há liberdade e expressão, aqui acentuadas pela sessão rítmica de Elvin Jones (bateria) e Aaron Bell (baixo), mas há também o retorno do tema clássico do repertório ellingtoniano que abre o álbum:

Duke Ellington (piano), John Coltrane (sax tenor), Aaron Bell (baixo) e Elvin Jones (bacteria) interpretam “In a Sentimental Mood” (Ellington). Sessão de 26 de setembro de 1962.

Um segundo retrato de Ellington desse mesmo período merece destaque. Ainda no ano de 1962, outra sessão nada ortodoxa fez com que Ellington ampliasse seus horizontes como pianista e arranjador e se encontrasse no cerne de outra experiência vanguardista do jazz. A convite de Alan Douglas (diretor da divisão de jazz da United Artists Records), Duke Ellington recebeu proposta de reunir numa só sessão de gravação nomes de diferentes representantes de estilos de jazz, realizando uma espécie de jam session. A sugestão de Douglas era que Charles Mingus (1922-1979) participasse como contrabaixista da sessão, que aceito, por sua vez, levou consigo o baterista Max Roach (1924-2007). Assim, estava formado grupo que registraria as sete composições de Ellington num disco com a participação de um músico do free-jazz (Mingus) e um do bebop (Roach). Estava pronto o projeto de Money Jungle.

Capa do álbum Money Jungle (1962). Com Duke Ellington, Charles Mingus e Max Roach. Foto: reprodução.

Afora todos os problemas que decorreram da tensa sessão (depois de discussões acaloradas Mingus chegou a abandonar os estúdios de gravação!), com trabalho concluído, o álbum se firmou como uma profícua experiência sonora aos moldes da parceria Coltrane-Ellington – com um pouco mais de tensão, evidentemente. A proposta de trabalhar os contrates, acentuá-los quando necessário, permitir liberdade de improvisação aos músicos e mesmo assim manter um núcleo organizativo da composição, foram alguns dos elementos que fizeram parte daquilo que resultou em Money Jungle. E a despretensão do álbum foi tamanha que Ellington, Mingus e Roach encontraram-se apenas um dia antes da gravação, logo, o resultado do trabalho viria mesmo da intenção espontânea, de uma tarefa colaborativa que, sobretudo, recolocava a figura de Duke Ellington, pianista, arranjador e bandleader, numa sessão absolutamente desprovida de acordos ou mesmo ensaio prévio.

Duke Ellington (piano), Charles Mingus (baixo) e Max Roach (bateria) executam “Caravan” (composição de Ellington), umas das faixas do álbum Money Jungle. Registro de 17 de dezembro de 1962.

Assim, falar de Duke Ellington implica a qualquer um que tenha intenção de discorrer sobre sua obra, em fazer esses recortes ou “retratos” de seu processo criativo. As cinco décadas de produção, composição, orquestração e condução musicais fizeram da sua obra uma conjunto extremamente complexo para ser abordado em sua totalidade. Por outro lado, algumas de suas obras – com as que aqui mencionamos – reverberam e repercutem as conformações do mercado das música, das mudanças dentro do próprio circuito do jazz e como este se adaptou às transformações operadas pelo mercado de bens culturais no decorrer do século XX. Comparar um Ellington “celebrado” a um Ellington “decadente” só podem ser possível se levarmos em consideração os diferentes aspectos que interferem na produção e na circulação de suas obras. E ainda que Duke Ellington and John Coltrane ou mesmo Money Jungle tenham sido considerados, por um bom tempo, “obras menores” no repertório ellingtoniano, eles demonstram a capacidade do artista em se metamorfosear e recriar sua obra até mesmo nos momentos de crise criativa e de ostracismo.

E no caso de Ellington, essa metamorfose entre 1956 e 1962 foi de fundamental importância para sua carreira, pois nos anos seguintes ele voltou a excursionar com sua orquestra por vários países do mundo com relativo sucesso, que só foi interrompido pela seu falecimento em 1974. Excursão que, inclusive, contemplou o Brasil com apresentação única realizada no Teatro Municipal de São Paulo (1968) e seu indefectível jungle style.


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