Tese, tético, estético e tático

Alguns apontamentos sobre criar

A palavra ‘tese’, traduzida diretamente do grego ‘thési’, significa em português posição. Tético, do grego ‘thetikós’, é aquilo relativo à tese, ou seja, referente à posição intelectual. Estético, do grego ‘aisthesis‘, trata sobre o relativo à percepção. Por si só a estética delimita posição necessária para observar, o que delimitaria as obra de criação como ‘ex-téticas’, ou seja, para fora da tese, da posição, mas que aponta para o posicionamento do artista sobre aquilo no qual ele(a) percebe. Uma obra de arte materializa o posicionamento intelectual através de suporte no qual possa se fixar, apontando para o pensamento, mas não é o pensamento em si, e sim a materialização de algo que aponta para uma ideia, como uma tentativa que existe para sempre ser falhada.

A palavra tática, do grego “taktiké”, também é relativa à posição, mas aquela referida ao campo de batalha, isto é, à posição física.

Todo artista (ou quem lida com criatividade) precisa ter uma tática para materializar o tético. Há uma transição da tese original (etérea e pessoal) para a realidade concreta que perde potência e exatidão conforme vai se concretizando, mas isso faz parte do processo frágil da comunicação em si mesma. Isso se vê na linguagem: pensamos para então utilizarmos a língua para dar forma ao que ainda não tinha palavra. O resultado se perde um pouco. Quem nos escuta ou lê tem uma impressão mais afastada do nosso pensamento original e mais próxima de nossas simbolizações, fantasmas e imaginário. Há também coeficiente entre o pensar, a maneira de exprimir o pensamento e o modo como ele é percebido pelos outros. E lá se foi ainda mais um pouco do sentido original que estava em nossa cabeça.

Dito isto, para a tática artística existe o método científico, que consiste em formular novas hipóteses de maneira sistemática ao trabalho proposto. Isso confere ao processo uma não concretização absoluta de um processo de investigação intelectual. Como na ciência, nada precisa estar pronto, nunca. Sempre será possível rever as hipóteses para uma explicação ou achar uma nova forma de se realizar algo, como obter novas formas de conseguir energia renovável ou novas vacinas. Em certa medida alguém pintado está construindo hipóteses como um cientista, porém sobre a posição a cerca de um tema, ideia ou sentimento.

Como curador/diretor de exposições e projetos artísticos me reúno constantemente com artistas para tratar do processo de criação individual. A dinâmica dos encontros sempre foi o da fala que faz apresentar possíveis hipóteses para a solução da tese a qual artistas se incumbem de materializar. A fala cristaliza processos inconscientes e cria amálgama lexical para as hipóteses serem escritas. A partir daí, um sistema pessoal se esboça, então não só as hipóteses podem ser revistas, como o próprio sistema readequado, melhorado e ampliado.

Sem a palavra a obra de arte contemporânea estaria em apuros, pois ela é a manifestação única e irrepetível sobre um tema ao emprestar forma para as experimentações com o pensamento. A língua é o material cartográfico pelo qual é possível mapear os lugares desconhecidos por onde se passa. Isso também diminui a angústia natural de quem lida com o inexplorado, posto que, trabalhar com a permanente proposição sistemática de hipóteses nos empurra invariavelmente para o incógnito, e por excelência, para o que é inovador.

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