É preciso ultrapassar horizontes

Alguns apontamentos sobre a arte e a vida

A vida requer uma boa dose de especificidade para manifestar nossos desejos. Não basta querer fazer, é preciso um querer fazer que especifica como faremos para deixar os nossos prazeres possíveis vencerem a neurose usual que os impedem.

E são muitas as forças que dão energia à neurose que nos atrapalha. Atualmente temos uma cultura pautada no culto ao desempenho que nos apresenta uma ideia de como viver: Todo movimento tem que gerar lucro. Todo minuto é um investimento que tem que dar retorno. Temos que ganhar algo com tudo que fazemos. É como se os vocábulos de um livro de finanças tivessem adentrado a nossa psiquê.

Mas é difícil definir termos como lucro e retorno quando somos pessoas determinadas por tempos humanos e não pelo tempo de relações capitalistas. Qualquer definição precisaria ser específica, pois somos seres únicos e irrepetíveis. Ainda mais, qualquer definição que possamos fazer sobre um lucro futuro deixaria de lado um detalhe muito importante: não sabemos o que será do futuro. As empresas esperam lucrar mais do que gastam, isso é uma imagem simples de lucro. Mas e nós? Esperamos um esperar que se transmuta enquanto vivemos. Nossa definição de lucro é um fazer de todo dia, tal é a especificidade para afirmar o que desejamos.

Nesse contexto é necessário liberdade criativa para compôr caminhos para os prazeres possíveis. Artistas fazem isso em seus ateliê apontando o tempo passando em suas vidas através da especificidade daquilo enfrentam, tentando agarrar o momento presente enquanto ele passa, fazendo o agora um momento um pouco mais denso e não se preocupando com uma imagem ideal de lucro ou sucesso a ser alcançada.

Essa idealização prévia do que venha a ser nosso lucro ou nossa arte é geradora dos processos de censura – tantos internos quanto externos. A censura à arte diz ‘isso não é arte, não se deve fazer arte assim’ enquanto a censura aos nossos desejos diz ‘isso não é algo para se querer, você deveria estar querendo mais lucro, não se deve querer assim’. Tolher o pensamento é um movimento pautado em uma cultura que tolhe à si mesma.

Recentemente membros da Secretaria de Cultura do governo brasileiro fizeram uma live onde disseram abertamente que “a arte não tem nada a ver com sexo”. Assim mesmo em uma forma enfática de censura aberta determinando que o fracasso ou o sucesso de uma obra de arte está pré-estabelecida com temas pré-determinados. Mas e se o sexo é parte importante da vida, como deixaríamos ele fora da nossa especificidade? Seria como viver negando à si mesmo em nome de um ideal construído — uma construção não muito louvável, diga-se no caso do sexo, pois é permeada de questões religiosas repressoras. Em nome da idealização deixamos de tratar daquilo ao qual poderíamos superar através da arte.

Caberíamos então perguntarmos qual futuro teremos à frente se determinamos o mundo através de um horizonte pré-estabelecido que nos condiciona à ideais aos quais não nos esforçamos em ultrapassar.

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