Desvairados venceremos

A cidade não vai ser a mesma sem as máscaras

Historicamente, pode-se dizer que os loucos anos 1920 foram um resultado da liberação após o confinamento forçado pela gripe espanhola. Foi a era do jazz, do blues e da art déco. O período em que surgiu Duchamp arrebentando as privadas junto com o status quo e o surrealismo de Salvador Dalí criando espaço para o inconsciente, a poesia de Garcia Lorca, o cinema de Buñuel e, no Brasil, a Semana de 1922 com Mário de Andrade.

De volta a 2020 parte B (vulgo 2021), estou vacinado com duas doses e sem virar jacaré. Já me permito colocar as asinhas de fora, mesmo que de máscara. Já sai por aí com meus livros pelos cafés da capital paranaense e dei um(s) pulinho(s) no boteco. Coisa rápida, só o suficiente para amnésia alcóolica.

Seja como for, estamos precisando de uma boa dose de empolgação. Um jazz bem tocado para acariciar a alma e um samba para fazer sorrir. Tudo isso para tocar aquele antigo projeto de revolucionar o mundo, enquanto os fachos corroem a parede do estômago e espumam de raiva, quero me juntar à poesia que flui entre copos. Vamos ter que empolgar para fazer a vida descolar dessa imagem verde e amarela deprimidamente perversa que não aceita nenhuma diferença. Talvez isso seja na marra, mas vai ter que ter bile para sair do buraco.

Há um adágio que vai assim: a rua é a alma da cidade, mas o boteco é a alma da rua. Só que nenhum boteco vai ser o mesmo porque as máscaras não servem mais. A burguesia não vai mais conseguir disfarçar um charme silencioso pra sair anonimamente na rua. Também não vai dar para tolerar o barulho intolerável do fascismo mesmo que dissimulado. Ele é colado demais às convenções sociais e aos padrões que nunca serviram pra nada. É como uma máscara que já estava aí, mas não percebíamos. Mas tudo bem, uma dose de surrealismo criativo à la Dali vai resolver isso se pusermos a massa cinzenta pra trabalhar. A cidade precisa de mais desvario e encantamento propositivo, pois as redes sociais causaram monotonia mortal à retina-coração. O algoritmo deixou tudo desanimado pela repetição mentirosa. Merecemos uns loucos anos 2020 parte 2 — sem esquecer do que ainda não acabou.

A democracia vai ser defendida pelo prazer. Vamos brindar à volta da sensatez para comemorar de novo com aquilo que nos fez falta – ciência, arte, ética – e empolgar ao longo da jornada enquanto colocamos as máscaras no lixo. 

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