Uma palavra que até assusta – mas vale a pena

Curtindo um livro sobre Cassius Clay, há quem tenha topado (ou trombado) com a palavra serendipidade, o que o levou a uma pesquisa a respeito. Valeu a pena

Segundo Ferreira Gullar, a crase não foi feita para humilhar ninguém. Até porque, conforme o poeta, “quem tem frase de vidro não joga crase na frase do vizinho”. Aí, um amigo devorador (no bom sentido) de livros, lembrou algumas palavras que, pelo uso reduzido ou limitado a certas esferas, praticamente caíram em desuso. E citou algumas, em sua opinião: antonomásia, ósculo, urdidura, vitupério, estrupício, apedeuta, prosopopeia, relicário, chiste, perpendicular, sazonal, diapasão, perpendicular, zoomórfico, chiste, entre outras.  

E, passo adiante, chegou ao significado da palavra desconcertante. Que desconcerta. Que atrapalha ou atordoa. Galicismo? Simples:  

– Anglicismo é uma das formas de estrangeirismo na língua portuguesa. Por estrangeirismo entende-se a introdução de palavras e expressões estrangeiras no nosso vocabulário. Para completar: se usarmos palavras do idioma francês, chamamos essa prática de galicismo.  

Sobre a palavra que surpreende, assusta e depois, decifrada, tranquiliza e reconforta: serendipidade. Está no miolo do livro Muhammad Ali – Uma vida, de Jonathan Eig, editora Record, tradução de Maria Lúcia de Oliveira, um livraço em todos os sentidos: 776 páginas, com fotos de Cassius Marcellus Clay Jr desde a mais tenra idade, quando ainda um bebê, até 2005, ao receber do presidente George W. Bush a Medalha Presidencial da Liberdade, que o chamou de “lutador feroz e homem da paz”.  

Serendipidade  vem a ser um “acontecimento favorável que se produz de maneira fortuita; acaso feliz; descoberta acidental; dom de fazer boas descobertas por acaso”. O termo foi cunhado pelo inglês Sir Horace Walpole, em 1754.  

Coisas por conta do acaso  

Na definição do dicionário, serendipidade é um “acontecimento favorável que se produz de maneira fortuita; acaso feliz; descoberta acidental; dom de fazer boas descobertas por acaso”. O termo foi cunhado pelo inglês Sir Horace Walpole, em 1754. E está presente na maioria das grandes descobertas científicas; em muitas carreiras profissionais, na trajetória das empresas, nos sonhos realizados, nas viagens inesquecíveis e até mesmo nas pequenas histórias do nosso dia a dia. Por razões óbvias, todos esperam pela serendipidade.  

E há um conto de fadas persa chamado “Os três príncipes de Serendip”, nome antigo do país atualmente conhecido como Sri Lanka. Descrevia como príncipes viajantes faziam descobertas constantes e surpreendentes sobre coisas que não planejavam explorar. Ele então criou a palavra serendipity para se referir a descobertas acidentais.  

Da penicilina ao adoçante químico  

Em 1928, o biólogo escocês Sir Alexander Fleming fazia testes com a bactéria Staphylococcus quando percebeu que um dos pratos foi contaminado por mofo. Em vez de recomeçar do zero, ele decidiu ver o que aconteceria. E percebeu que a bactéria não crescia onde o mofo, identificado como Penicillium, havia se desenvolvido. A substância produzida por ele deu origem a penicilina, até hoje um antibiótico utilizado para tratar diversas doenças infecciosas.  

Sacarina: o químico russo Constantin Fahlberg trabalhava junto a Ira Remsen, um dos químicos norte-americanos mais famosos do século 19, no laboratório da Universidade Johns Hopkins. Após um dia intenso de trabalho mexendo com derivados de alcatrão da hulha, fósforo e amônia, Fahlberg se esqueceu de lavar as mãos. Após a refeição, percebeu que seus dedos possuíam um sabor doce. O ano era 1878 e estava descoberto o primeiro adoçante químico.  

Percy Spencer foi o criador do micro-ondas. Foto: reprodução.

Forno de micro-ondas: o engenheiro norte-americano Percy Spencer trabalhava em um conjunto de radares para a empresa Raytheon, em 1945, quando percebeu que uma barra de chocolate em seu bolso havia derretido. Intrigado, expôs grãos de milho às bondes, que rapidamente se transformaram em pipoca. Ele então criou um campo de alta densidade, injetando as micro-ondas de um magnetron em uma caixa metálica, para que não pudessem escapar. Cinco anos depois, a primeira versão do forno foi colocada à venda.  

Raios-X: quando o físico alemão Wilhelm Conrad Rontgen estudava o fenômeno da luminescência produzida por tubos catódicos, em 1895, ele percebeu que, se cobrisse o tubo com papel grosso, uma folha de papel tratada com platinocianeto de bário emitia luz. Ele chamou essa “luz invisível” de “raios-X”, pois os considerava muito enigmáticos. Ao fazer testes colocando corpos opacos à luz visível entre o tubo e um papel fotográfico, descobriu que os raios-X passavam pelos tecidos moles, deixando os ossos como sombras visíveis, criando as primeiras radiografias. E também temos sua (marcante) presença em tatuagens, isso mesmo.  

Também vale lembrar:  

Convicção – palavra que permite pôr, com a consciência tranquila, o tom da força ao serviço da incerteza.  

Paul Valéry  

As palavras têm a leveza do vento e a força da tempestade.  

Victor Hugo  

 Nunca se é homem enquanto se não encontra alguma coisa pela qual se estaria disposto a morrer.  

Jean-Paul Sartre  

Sartre escreveu As Palavras, uma autobiografia, quando tinha 59 anos. Ela abrange o período dos 10 primeiros anos de sua vida. Ele explora como as palavras, a linguagem e os livros se conectam à experiência humana.

– Comecei a minha vida como hei de acabá-la, sem dúvida: no meio dos livros. Todos os homens são eternamente responsáveis por aquilo que eles escolhem.  

Sobre o/a autor/a

Compartilhe:

Leia também

Melhor jornal de Curitiba

Assine e apoie

Assinantes recebem nossa newsletter exclusiva

Rolar para cima