Tempos bicudos (e biônicos)

Paulo Pimentel prepara novo livro de memórias. Veja o que ele disse no primeiro

Ao ficar sabendo que Paulo Pimentel, 91 anos, vai lançar mais um livro, que já tem título (Vim Vi Venci), um amigo foi à estante buscar a primeira obra do ex-governador: Paulo Pimentel – Momentos Decisivos, escrito pelo jornalista Hugo Mendonça Sant’Ana, Travessa dos Editores, 2008.

Conforme matéria de Rodolfo Luis Kowalski, no Bem Paraná, o livro está sendo escrito pelo jornalista Cleverson Garrett, com participação do fotógrafo Valquir Aureliano na parte de fotos pessoais, de família e reproduções. Trata-se de um lançamento da Editora Cajarana.

E, de volta da estante, o tal nosso amigo pinçou alguns trechos de Momentos Decisivos, devidamente sublinhados a lápis quando da primeira leitura.

O “delegado” biônico

– Governo do Paraná. Haroldo Leon Peres foi “eleito” pelo general Emílio Garrastazu Médici em abril de 1970. Quando, no ano seguinte, desembarcou em Curitiba, não deixou por menos, se autoproclamando “delegado da Revolução”. Assumiu em março, ficou no cargo até dezembro. LP, também chamado de LP 33 rotações, foi fritado no dia 17 de novembro, mas a renúncia só virou “notícia” no dia 23 novembro. E, no dia seguinte, a censura suspendia a proibição sobre a renúncia, mas, malandramente, mantinha a proibição de comentários sobre a escolha de Leon Peres e os critérios adotados pelo presidente de plantão. Presidente biônico nomeando governadores idem.

As “notórias dificuldades”

Tal negócio. Quando o barco faz água, o criador trata de renegar a criatura. O texto, dos donos do poder: “O governador Haroldo Leon Peres confirmou ontem o seu afastamento definitivo do governo”. Nota oficial do Palácio Iguaçu: “Em virtude de notórias dificuldades enfrentadas na direção do Estado, entendeu de seu dever afastar-se definitivamente. A Assembleia Legislativa dá posse hoje ao vice, Pedro Viriato Parigot de Souza, o 73.° governador em 118 anos do Paraná”.

Censura e mais censura

Por conta do brevíssimo (mas dolorido e amargo) período Haroldo Leon Peres, a censura disparou uma série de ordens – curtas e grossas. Em Curitiba, o principal alvo foram os jornais O Estado do Paraná e a Tribuna.

A sequência de proibições expõe parte do longo roteiro do absurdo.

Dia 18 de agosto de 1971: proibida qualquer matéria contra o governo do Paraná.

17 de novembro: fica proibida qualquer publicação sobre Leon Peres versando sobre especulação de renúncia.

18 de novembro, três proibições. Divulgar qualquer pronunciamento de LP; divulgar especulação sobre renúncia; e, a terceira, mantendo as proibições até “2ª ordem”.

19 de novembro: proibida qualquer divulgação referente renúncia e pronunciamento de Leon Peres.

20 de novembro: proibido noticiar renúncia ou pronunciamento de Leon Peres.

22 de novembro: proibido noticiar comentários sobre fatos ou atos envolvendo Leon Peres – inclusive nota do Palácio Iguaçu.

23 de novembro: noticiar atos ou fatos envolvendo Leon Peres ou comentário sobre renúncia.

25 de novembro: proíbe qualquer notícia relativa a Leon Peres.

26 de novembro: repete a ordem.

30 de novembro: proibido divulgar qualquer coisa sobre Leon Peres, particularmente especulação sobre sua renúncia e eventuais causas – mais a ameaça de apreender edições do jornal.

3 de dezembro: proibido tudo sobre caso Leon Peres até segunda ordem.

A ditadura e seus biônicos

Vale recordar: biônico vinha a ser aquele político investido num cargo mediante a ausência de sufrágio universal e cujo parâmetro para escolha era a sanção das autoridades de Brasília na época da ditadura civil-militar. Isso mesmo, civil-militar, como bem definiu a escritora Beatriz Kushinir no livro Cães de Guarda, Jornalistas e censores, do AI-5 à Constituição de 1988 , Boitempo Editorial, 2004.  

Voltando à sanção das autoridades de Brasília, nas décadas de 1960, 1970 e 1980. Tal centralismo garantiu a continuidade do regime e impediu que os objetivos traçados pelos militares fossem alvo de sedições políticas. Na prática, as regiões sob o jugo de governadores e prefeitos biônicos possuíam autonomia reduzida visto que as decisões de relevo vinham do governo central, o que diminuía a influência das forças políticas locais.

O homem de milhões de dólares

O termo biônico foi popularizado graças ao seriado O Homem de Seis Milhões de Dólares. Nele, o coronel Steve Austin, interpretado pelo ator Lee Majors, recebera implantes cibernéticos que lhe salvaram a vida após um grave acidente; e, como compensação, Austin passou a trabalhar como agente especial do governo americano, recorrendo, é claro, às suas capacidades ampliadas pela cibernética – ciência que tem por objeto o estudo comparativo dos sistemas e mecanismos de controle automático, regulação e comunicação nos seres vivos e nas máquinas. Transposta para o nosso mundo político, a designação serviu para carimbar quem chegara ao poder dispensando a participação do eleitorado.

A safra de biônicos

A partir de 1966, como era previsto, entraram em cena no circo político os governadores biônicos, prefeitos biônicos em certas categorias de municípios e até senadores biônicos. No caso dos senadores, o biônico foi reforçado também pelo Pacote de Abril, de 1977, que alterou as regras para o pleito de 1978. Nele, cada Estado escolheria um nome pela via indireta na renovação de dois terços das cadeiras mediante votação de um colégio eleitoral, o que deu à Aliança Renovadora Nacional (ARENA) 21 das 22 cadeiras em jogo impedindo a repetição da rotunda vitória do Movimento Democrático Brasileiro (MDB) em 1974. Na “disputa” pelas 23 vagas a serem preenchidas por voto direto os arenistas abocanharam 15. No total, o placar das eleições para a Câmara Alta do parlamento foi de 36  a 9 para o poder central.

PS: E vamos aguardar o novo livro de Paulo Pimentel. Afinal, ele pode dizer que veio, viu e venceu. Com o voto soberano do povo.

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