Tá no livrinho?

Lott perguntava se a proposta de golpe estava no livrinho. O livrinho era a Constituição

Na votação do Supremo Tribunal Federal, quinta-feira passada, sobre as prisões em segunda instância, Ricardo Lewandowski deu um puxão de orelha em vários ministros – e, também, em muita gente fora do STF:

– Nossa Constituição não é uma mera folha de papel que pode ser rasgada sempre que contrarie as forças políticas do momento. A Carta Magna possui força normativa para fazer com que seus preceitos sejam cabalmente observados.

E, sobre Constituição e democracia, vale lembrar o general Henrique Duffles Teixeira Lott. Grande figura, como militar e cidadão. Era sucinto quando políticos golpistas tentavam cooptá-lo para uma conspiração, visando um golpe civil/militar. O general encarava os golpistas e fazia uma pergunta que se revelava arrasadora:

– Está no livrinho? Não? Então, caiam fora!

Livrinho a que ele se referia era a Constituição de 1946.

Clima de golpe

Em novembro de 1955, antevéspera da posse de Juscelino Kubitscheck e João Goulart, o Jango, havia um clima de golpe no ar. O general Lott, seguindo o Livrinho, deu um chega pra lá nos golpistas ao defender o quadro constitucional vigente, ou seja, a Constituição, garantindo a posse do presidente e do vice eleitos no ano anterior.

E, no governo JK, o general foi para o Ministério da Guerra. Segundo registros históricos, sua gestão ficou marcada pela busca da administração organizada e tranquila, pois Lott acreditava nas Forças Armadas como “ferramenta de manutenção da democracia, em que o exército brasileiro seria composto de homens dedicados à integridade das determinações constitucionais”.

Em 1961, quando integrantes das Forças Armadas reagiram à posse do presidente João Goulart, Lott tratou de impedir o golpe invocando a quebra de patente. Afinal, segundo a Constituição, o livrinho, o presidente da República é o comandante-em-chefe primeiro das Forças Armadas, ou seja, todos os militares respondem e obedecem ao presidente.

Também assumiu uma posição antigolpismo, ao lado de Leonel Brizola, na Campanha pela Legalidade, articulando o contato de diversos oficiais nacionalistas e antigolpistas. E escreveu uma carta aberta aos militares (Aos meus camaradas das Forças Armadas e ao povo brasileiro), em que convoca a sua classe para que elimine os sentimentos individuais de violar as leis básicas da República e colaborem para assegurar a legalidade.

Questão de hierarquia

Ao se contrapor à decisão do ministro da Guerra de Jânio, que recusava aceitar a posse de Jango, Lott foi sentenciado à prisão. Ao ser abordado em sua casa, exigiu que fosse um também marechal para prendê-lo, pois não seria detido por um militar de patente inferior a sua, pelo respeito à hierarquia do exército.

Aí, quando o marechal Sucupira chega à sua residência, Lott é levado para sua cela, onde cumpriria 15 dos 30 dias estipulados de reclusão.

Quando acontece o golpe civil-militar em 1964, são cassados todos os direitos políticos de Lott, que fica impedido pela Justiça Eleitoral de concorrer ao governo do estado da Guanabara. O marechal, então, decide encerrar sua vida pública por não concordar com os rumos que o Exército estava tomando e com a implantação do regime, o que também entraria em conflito com todos os seus princípios legalistas e de respeito às patentes.

Lott morreu em 1984, um ano antes da saída do último presidente militar. Seu enterro não teve condecorações marciais ou honras de praxe. Ele, certamente, as dispensaria.

Sobre o/a autor/a

Compartilhe:

Leia também

O (des)encontro com Têmis

Têmis gostaria de ir ao encontro de Maria, uma jovem vítima de violência doméstica, mas o Brasil foi o grande responsável pelo desencontro

Leia mais »

Melhor jornal de Curitiba

Assine e apoie

Assinantes recebem nossa newsletter exclusiva

Rolar para cima