Sobre livros e uma história da leitura

Como escreveu Mario Quintana, o livro traz a vantagem de a gente poder estar só e ao mesmo tempo (bem) acompanhado

Por conta da Covid-17 e, também, das mudanças (ou inesperadas danças e contradanças, incluindo chuva de granizo) do tempo em Curitiba, há quem, devidamente protegido em casa, tenha remexido em seus livros. E, no fundo do baú, teve uma inesperada surpresa ao topar com o bem velhinho: Uma História da Leitura, de Albert Manguel, primeira edição, 1997, Companhia das Letras.  

Manguel nasceu em 1948, em Buenos Aires. Como seu pai era embaixador, passou parte da infância em Israel. Depois, viveu na Espanha, França, Inglaterra e Itália.  

Biblioteca ambulante  

Conta Manguel que um grão-vizir da Pérsia, leitor voraz e ciumento, levava consigo sua biblioteca quando viajava, “acomodando-a em 400 camelos treinados para andar em ordem alfabética”. Em 1536, em Veneza, “havia uma mulher que se dizia amante da poesia e tinha sempre à mão algum livrete de Petrarca, Virgílio ou Homero”.  

Ainda do livro: “Na segunda metade do século XIX, em Cuba, os operários de algumas fábricas de charuto pagavam um “lector”, um leitor que se sentava junto às bancadas de trabalho e lia alto enquanto eles manuseavam o fumo. Lia, por exemplo, romances didáticos, compêndios históricos e manuais de economia política. No Chile, durante a ditadura de Pinochet, Dom Quixote foi banido por conta dos apelos à liberdade individual e ataques à autoridade instituída. A leitura é a mais civilizada das paixões. Mesmo quando registra atos de barbarismo, sua história é uma celebração da alegria e da liberdade”.  

Ainda do livro: “De certa forma, todo livro escolhe seu leitor, mas Uma História da Leitura parece ter um modo muito particular de exercer essa escolha: talvez com uma ou outra exceção, todos que se dispõem a lê-lo integram a comunidade anônima das pessoas que “gostam” de ler. Por isso, cada uma delas encontra ali certos fragmentos de sua própria experiência: o encantamento do aprendizado da leitura, a leitura compulsiva de tudo (livrinhos de escola, cartazes de rua, rótulos de remédio), o prazer solitário de ser amigo do peito de Sinbado Marujo, de acompanhar a multiplicação dos significados de uma palavra, de descobrir o final da história. Como um volume da biblioteca impossível de Borges, o livro de Alberto Manguel contém um pouco da autobiografia de cada um de seus leitores. E, sem dúvida, também do autor, cuja erudição ao falar de séculos e séculos de história é primeiro filtrada por uma vivência pessoal intensa”.  

Ler para viver  

Ainda do (e sobre) o livro: A clareza do texto de Alberto Manguel parece refletir uma generosidade, uma vontade compartilhar informações, perspectivas e modos de sentir o ato de ler. “Ler para viver”, Flaubert escreveu, ou, na visão de Kafka, “Ler para fazer perguntas”. Das plaquinhas de argila da Suméria aos nossos cibertextos, sabemos que a história registra não só uma infinidade de motivações para a leitura, mas também para a sua proibição, como se fosse da natureza da palavra escrita penetrar a intimidade do leitor e fazê-lo agir, fazê-lo mover-se para lugares que só ele é capaz de escolher. O ato de ler pressupõe e, simultaneamente, cria uma liberdade. Alberto Manguel é primeiro um leitor, e, nesta condição, se escolheu narrar as conformações da leitura ao longo do tempo, é porque está ciente de quantos tentáculos uma boa história pode ter.  

Mais do que frases  

“Os verdadeiros analfabetos são os que aprenderam a ler e não leem.”

Mario Quintana.  

“Sempre imaginei que o paraíso fosse uma espécie de livraria.” 

Jorge Luis Borges.  

“Leite, leitura  

letras, literatura,  

tudo o que passa,  

tudo o que dura  

tudo o que duramente passa  

tudo o que passageiramente dura  

tudo, tudo, tudo  

não passa de caricatura  

de você, minha amargura  

de ver que viver não tem cura”  

Paulo Leminski.

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