Seria cômico – não fosse trágico…

Francisco Camargo fala sobre um problema social comum nas ruas de Curitiba

Todo dia, com sol ou chuva, eles fazem sempre igual: bem cedinho, estão plantados nos cruzamentos mais movimentados da cidade. Pedindo uma ajuda – em papel ou moeda. Em Curitiba, mais precisamente no Juvevê, um dos mendigos – ou indigentes, como se queira – chama a atenção. Pela palavra escrita. Ele vem de ônibus para o trabalho e, dono de pedaço, entra em ação junto a um semáforo. Quando os veículos param, aguardando o sinal verde, vai para o meio da pista e avança em direção aos motoristas, exibindo uma tabuleta:

– Minha mulher está grávida, minha mãe está no hospital, estou sem serviço, preciso de ajuda…

Ocorre que, segundo velhos moradores do bairro, o cabôco faz o mesmo apelo há muito mais do que 9 meses, há mais de anos e anos seguidos. Tratar-se-ia de uma gravidez que não termina nunca.

Viver – ou, no caso, sobreviver – é perigoso. A disputa por um ponto privilegiado (intenso movimento de carros e de pedestres) muita vezes acaba em briga.

– Cai fora! Esse ponto é meu!

– Teu uma ova, é meu! Cheguei primeiro!

É óbvio que o problema não é só de Curitiba. Um texto de Fábio Soares, publicado em setembro de 2009 na Veja São Paulo, abordou o assunto. Trechos:

– Atrás de dinheiro fácil, vale fazer de tudo nas esquinas de São Paulo. Vale se fantasiar com uma roupa surrada ou vestir terno e gravata para impressionar. Vale fazer cara de pelo amor de Deus com criança no colo, cantarolar no farol ou até usar cadeira de rodas mesmo sendo capaz de andar. Durante dois meses, a reportagem constatou o sucesso dessas artimanhas ao acompanhar a rotina de sete pessoas que transformaram mendicância em profissão – ou seja, não se trata de miseráveis que não encontram outra forma de sobreviver. Todos têm residência fixa, alguns em bairros como Pinheiros e Vila Madalena, e declaram receber entre 30 e 100 reais por dia. Às vezes, fazem ponto em mais de um lugar. Sem nem sequer vender uma bala, essas pessoas faturam, numa estimativa conservadora, 600 reais por mês. Um bom negócio se comparado ao salário mínimo de 465 reais para uma jornada de oito horas por dia.

– Eles se consideram honestos porque pedem e não roubam, afirma o psicanalista e professor César Eduardo Gamboa Serrano, autor de uma dissertação de mestrado pela USP sobre mendicância na capital. “Dizem que esmolam por circunstância da vida, apesar de parte deles não abandonar as ruas depois de passada a dificuldade temporária.”

A fonte que alimenta a mendicância é vasta. Quatro em cada dez paulistanos dão esmola nos semáforos, segundo levantamento da prefeitura feito em 2005. Somados, calcula-se que os trocadinhos cheguem a 2 milhões de reais por mês, sem contabilizar doações de roupas ou brinquedos. Em dezembro, esse bolo costuma crescer 30%. “É um ciclo perverso”, afirma o ex-secretário municipal de Assistência e Desenvolvimento Social Floriano Pesaro. “Em vez de ajudar, quem dá esmola faz da mendicância um trabalho rentável.”

Ainda da revista:

– A questão é delicada. “Como separar quem está precisando de ajuda por uma circunstância infeliz da vida daqueles que fizeram da mendicância um emprego?”, escreveu o cronista Ivan Ângelo, da Veja São Paulo, para concluir:

– A verdade é que está cada vez mais difícil confiar.

 

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