Sem esquecer a operação mata mendigo

A recente ação policial em favela do Rio remete a outro absurdo, a operação limpeza quando da visita da Rainha Elizabeth II, em 1968

Sobre a batida policial na manhã do dia 6, contra o tráfico de drogas na favela do Jacarezinho, na Zona Norte do Rio, que tirou a vida de 25 pessoas após um intenso tiroteio, vale destacar alguns registros. Segundo o Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos (GENI), da Universidade Federal Fluminense (UFF) e a plataforma Fogo Cruzado, foi a operação policial mais letal da história do Rio. Um policial civil foi baleado na cabeça e morreu, segundo a polícia. A corporação afirma ainda que “24 criminosos foram mortos”, mas não esclareceu quem são as vítimas e as circunstâncias nas quais foram atingidas. Operação mais letal da história do Rio de Janeiro?

Os 2 lados da moeda

CORE vem a ser Coordenadoria de Recursos Especiais. Uma unidade da Polícia Civil destinada à intervenção “em ocorrências que exijam excepcional adestramento, pela complexidade do trabalho e riscos que o envolvem”. E, de acordo com a sua versão policial, “dois dos mortos foram alvejados quando atacaram policiais que faziam a perícia no local de outras mortes”. Seis pessoas foram presas e armas foram apreendidas.

Já pelas redes sociais, moradores relataram mais mortes que as computadas, além de corpos no chão, invasão de casas e celulares confiscados. E, à tarde, eles chegaram a fazer um protesto na comunidade. A polícia negou qualquer execução durante a operação. “Se alguém fala de execução nessa operação, foi no momento em que o policial foi morto com um tiro na cabeça”, disse o delegado da Core.

Mas, lamentando profundamente o episódio, há quem tenha voltado no tempo: 1968. Os preparativos para recepcionar a Rainha Elizabeth II, o que seria um acontecimento histórico e festivamente cerimonioso… Seria, já que se tornou um episódio que, ao que parece, foi apagado da história.

De Canudos para a favela

Como se comprova, as favelas continuam na mira dos donos do poder. O nome favela vem da Guerra de Canudos, conflito que durou de 7 de novembro de 1896 a 5 de outubro de 1897. O povoado de Canudos, com Antônio Conselheiro à frente, na Bahia, surgiu perto de um morro chamado Favela – nome de uma planta da região. Após o conflito, combatentes que retornaram ao Rio de Janeiro não receberam o soldo e foram abandonados à própria sorte, condenados ao deus-dará. Restava, então, a favela.

Seguidores de Antônio Conselheiro, em Canudos (Bahia).

“Limpando” a cidade

Os preparativos para receber a Rainha Elizabeth II incluíram a limpeza da cidade, o que o jornal Última Hora denunciou como a operação mata-mendigos. Recolhidos das ruas, eles eram torturados, mortos e jogados nos rios da Guarda e Guandu. O governador era Carlos Lacerda.

Outras coisas constrangedoras marcaram a visita de Sua Majestade: conta-se que o presidente Costa e Silva, na festa de recepção, teria se embolado ao pronunciar a saudação God Save The Queen (Deus Salve a Rainha), balbuciando algo como GodGod… the Queen. E não era um ministro do atual desgoverno federal.

Tirando proveito da operação limpeza, a especulação imobiliária aproveitou o momento: remover barracos e favelas para grandes empreendimentos com vistas para o mar. E isso começaria por um lixão que concentrava moradores de rua.

Mas, conforme Jean-Paul Sartre, “a violência, seja qual for a maneira como ela se manifesta, é sempre uma derrota”.

Ex-presidente Costa e Silva.

No ritmo do samba

E, igualmente, vale lembrar “O Morro Não Tem Vez” – de Antonio Carlos Jobim e Vinicius de Moraes, trabalho de 1962:

O morro não tem vez
E o que ele fez já foi demais
Mas olhem bem vocês
Quando derem vez ao morro
Toda a cidade vai cantar

Morro pede passagem
O morro que se mostrar
Abram alas pro morro
Tamborim vai falar

É 1, é 2, é 3, é 100
É 1000 a batucar

O morro não tem vez
Mas se derem vez ao morro
Toda cidade vai cantar

O morro não tem vez
Mas se derem vez ao morro
Toda cidade vai cantar

Morro pede passagem
O morro quer se mostrar
Abram alas pro morro
Tamborim vai falar

É 1, é 2, é 3, é 100
É 1000 a batucar

O morro não tem vez
Mas se derem vez ao morro
Toda cidade vai cantar


Para ir além

A crônica não mata – Parte 4

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