Requião sem meias-palavras – como sempre

Para ele, citando Brecht, o pior de todos os analfabetos é o analfabeto político pelo extenso mal que causa à sociedade; basta ver o Brasil de hoje, frisa

Como noticiou o Plural, na terça-feira (dia 20), em matéria de Angieli Maros, o ex-governador e ex-senador pelo Paraná Roberto Requião confirmou uma chapa para disputar a direção da executiva estadual do MDB. O lançamento da “Sempre MDB” não é só para o comando interno da legenda, mas também para viabilizar a candidatura de Requião para o governo do Paraná. Se não conseguir avançar na convenção, marcada para o próximo dia 31, ele afirmou que deixará a legenda. Por isso, o resultado da eleição interna do MDB deverá ser o primeiro esboço da corrida ao Palácio Iguaçu em 2022.  

Voltando no tempo  

Jornalista (formado na PUC), bacharel em Direito (UFPR), pós-graduado em planejamento urbano pela Fundação Getúlio Vargas, Requião nunca deixou de lado o bom humor. Certa feita, governador, inspecionando uma obra no interior, um deputado, todo entusiasmo ao ver de perto um helicóptero, pediu e insistiu para fazer um voo, concretizando assim um velho sonho, do tempo em que era jovem:  

– Nunca andei nessa coisa… Gostaria de experimentar.  

Requião decide atendê-lo, chama o piloto e, todo sério, recomenda:  

– Leve o nobre deputado para um sobrevoo. Mas dispense o cinto de segurança e mantenha a porta dele aberta ao levantar voo e sobrevoar a região.  

Percebendo a brincadeira, o piloto sorri e concorda, mas o deputado trata de inventar uma desculpa para descartar a ideia de pronto.     

Registros históricos  

Roberto Requião senador, discurso no dia 11 de outubro de 2017. Vale a pena pinçar certos trechos:  

– Talvez estejamos vivendo hoje um dos momentos mais sombrios da história pátria.  

O esplendor do obscurantismo  

Trecho de um pronunciamento no Senado:  

– Contraditoriamente, nesse tempo em que a celeridade e a universalidade da informação rompem e desvelam quaisquer fronteiras, nesse tempo assistimos ao esplendor da ignorância, da desinformação e do obscurantismo. Talvez fosse assim o tempo todo, mas a restrição e elitização dos meios de comunicação impedissem que o distinto público se fizesse ouvir além dos círculos que frequentava.  

– A internet destaramelou a língua e destravou a inibição de dezenas de milhares de brasileiros. É livre falar, é só falar, diria Millôr Fernandes. E o que se fala? Umberto Eco, irritadíssimo com o que lia na internet, disse que as redes sociais haviam dado voz a uma legião de imbecis. No entanto, pelo menos no que toca ao caso brasileiro, não é bem assim. Quer dizer, não foi apenas a um grupo de iletrados, gente grosseira e abrutalhada que as redes sociais deram voz e visibilidade.  

– O analfabetismo político não é um privilégio daqueles supostamente incultos, rústicos ou de leitores de alguns jornais  que opinam com desinibição notável sobre qualquer assunto, do futebol à política, atropelando pelo caminho as relações internacionais, a cultura, a religião e a filosofia.  

– O analfabetismo político, nesses dias tão trevosos da história do Brasil, dá os ares de sua desgraça no Parlamento, no Executivo, no Judiciário, no Ministério Público, na Academia, nas Igrejas, nas ditas altas rodas da dita alta sociedade. E, claro, entroniza-se com fanfarras e foguetório nas redações de nossa gloriosa mídia, notadamente a mídia comercial e monopolista.  

– Deixei de lado os economistas de mercado, certos comentaristas, porque quero bem a alguns analfabetos e não quero alinhá-los a tal companhia.  

– Bertolt Brecht, com a agudeza que o fez um dos mais reverenciados intelectuais do século XX, definiu, para sempre, o que é um analfabeto político. Para Brecht, o pior de todos os analfabetos é o analfabeto político pelo extenso mal que causa à sociedade. Diariamente, os corredores desta Casa e da Casa ao lado atulham-se de pessoas assim.  

– O Brasil à beira da extinção, e os corredores desta Casa, as galerias, os nossos gabinetes e as Comissões sufocados por reivindicações corporativas. Aumento de vencimentos, ampliação de privilégios, isenções, exceções à regra, criação de castas, licença para o porte de armas, autorização para matar.  

Ainda o Brasil à beira da extinção – ocupantes dos assentos desta Casa e da Casa vizinha, ao lado, voltados para o próprio umbigo, cegos para a realidade das coisas. Permutam, negociam uma pinguela, uma estrada, uma cisterna, um posto de saúde, uma agência do Banco do Brasil ou da Caixa, a nomeação de apaniguados, de cabos eleitorais, de compadres pela soberania nacional. Um cargo pela soberania do Brasil. Que se lhes dá, desde que lucrem, pixulecos, uma changa, uma peita, uma molhadura, como diz o povo do nosso País.  

– Para o analfabeto político, pouco importa se vendem as nossas terras e as nossas florestas; se entregam o nosso petróleo e as riquezas minerais; se arrasam o parque industrial brasileiro; se, sob os aplausos da mídia venal, leiloam as hidrelétricas a preços de pipoca, entregando-as – pasmem, ó, analfabetos – para empresas controladas pelos Estados francês, chinês ou italiano. A privatização brasileira entrega a empresas estatais de outros países, mas o analfabeto político não enxerga nada disso.  

Que se dá a eles, esses analfabetos, se os gastos públicos são congelados por inacreditáveis 20 anos? Se provocam a contração da economia e depois comemoram a queda da inflação e a redução dos juros? Com uma economia absolutamente parada. O que há nisso a comemorar? Liquidam-se direitos e pulverizam-se conquistas.  

– O Brasil à beira da extinção como Nação soberana, e os analfabetos políticos com a cabeça enterrada na areia do combate à corrupção. São os novos Savonarolas ou Torquemadas a procurar a popularidade em 15 minutos de televisão.  

– Esses analfabetos políticos graduados não atilam que a grande corrupção, a maior de todas, mãe das corrupções, é a entrega do País aos interesses imperiais, sempre a preço vil, sempre sob trâmites suspeitos, sempre promovida por gente suspeita, gente escolada em todo o tipo de compra e venda. São ou não tremendos analfabetos políticos, tapados absolutos os que, por exemplo, veem passivamente inertes o governo – todo ele atolado em denúncias de corrupção – vendendo o patrimônio público com absoluta liberdade de ação?  

– Ora, senhoras e senhores justiceiros, queridas e queridos, será que não ocorre às senhoras e aos senhores que são essas pessoas que deveriam estar na cadeia? Pessoas que estão à frente da venda das hidrelétricas, do petróleo, dos minérios, de terras, da Floresta Amazônica, dos portos, dos aeroportos e das estradas? As senhoras e os senhores acreditam que desta vez eles estão agindo honestamente? São os mesmos que agiam ontem que agem hoje, neste descalabro entreguista.  

– Para mim esta é a maior prova de que o combate à corrupção é apenas um biombo, uma tapadeira, é apenas um pretexto deslavado para a submissão total, irrestrita do Brasil à globalização imperial, ao capital financeiro vadio.  

E pergunto, faço uma pergunta incômoda: não seriam também corruptos os que fecham os olhos para a liquidação da soberania nacional? Não seriam eles cúmplices dessa falcatrua inominável e abjeta? O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos. Ele não sabe o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio. Ele não sabe que esses preços todos dependem das decisões políticas.  

– O analfabeto político não sabe, não quer saber ou, se sabe, é conivente, porque é um quinta-coluna, um traidor, que a desnacionalização do sistema elétrico e do setor do petróleo, que a privatização da infraestrutura aeroportuária, rodoviária, ferroviária e hidroviária, que a desindustrialização e a primarização da economia brasileira levarão o País a se transformar em um mero Estado associado a grandes potências, renunciando para sempre a soberania, a dignidade, o respeito, a autoestima, a honra, o desenvolvimento e a boa qualidade de vida para toda a nossa gente.  

– Mas o analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a política. Escolas sem partido, sem política, sem ideia. O analfabeto político é tão idiota que se apaixona perdidamente, prontamente, pelos políticos que dizem que não são políticos; pelos políticos que também dizem que odeiam a política. O analfabeto político está sempre pronto para aderir ao primeiro picareta que surja na esquina desfraldando as bandeiras da moralidade, da ética e da política sem partidos. Os analfabetos políticos adoram os “administradores” – entre aspas –, os “técnicos” – entre aspas – e os “empresários” – entre aspas –, tidos como empresários de sucesso. Os analfabetos políticos têm queda por apresentadores de televisão, técnicos de vôlei, procuradores da República, juízes federais, ex-ministros do Supremo que namoram candidaturas à Presidência da República.  

E não adiantam os trágicos exemplos da história sobre esses salvadores da Pátria, esses iluminados, esses apolíticos. O analfabeto político, em sua ignorância impermeável, ceratinosa, está sempre alerta, eternamente vigilante para apoiar até mesmo quem anunciou a pretensão de se candidatar à Presidência da República e que, então, está à procura de quem lhe dê uma legenda e um programa de governo. Oh, Deus misericordioso!  

– Senhoras e senhores – arremato com a parte final do poema de Bertold Brecht sobre o analfabeto político:  

Não sabe o imbecil que, da sua ignorância política, nasce a prostituta, o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos, que é o político vigarista, pilantra, corrupto e lacaio das empresas nacionais ou multinacionais. Hoje, o capital financeiro que tenta dominar o mundo é representado por pessoas que não sabem – e nem se preocupam em saber – quanto custa 1kg de feijão, 1kg de arroz ou uma posta de carne para dar a mistura no almoço de um pobre trabalhador brasileiro.  

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