Os donos do pedaço (agora com crédito ou débito)

Foi no feriadão. Véspera da Páscoa. Hora de almoço, quase nenhum movimento num trecho das calçadas da Avenida João Gualberto, Juvevê. Um cidadão sai do supermercado, chave do carro na mão, chaveiro bem visível. Mais do que imediatamente surge um guardador de carro – o também já chamado flanelinha. Breve diálogo:

– Tem uma moedinha, doutor?

– Desculpe, não tenho. Paguei as compras com cartão…

Aí, ouviu uma enxurrada de ofensas. As menos pesadas:

– Mão de imbuia! Muquirana! Mão de vaca!

Espantado e temendo levar alguns sopapos, o motorista bate em retirada – nada heroica.

O problema não é de hoje, tanto que o diminutivo de flanela passou a constar de dicionários: flanelinha. É usado em referência àqueles que se oferecem para ajudar os motoristas a estacionar seus carros e se propõem a cuidar dos veículos até a volta dos proprietários, em troca de uma determinada quantia de dinheiro. Esse dinheiro pode ser conseguido mediante consentimento do motorista ou por coerção (sic).

Um desafio cada vez maior

O abacaxi não é de hoje e muito menos exclusividade de Curitiba. Fazer o quê? Em 2009, como registrou o jornal Zero Hora, a prefeitura de Porto Alegre tentou resolver o problema com ajuda do Ministério Público do Trabalho e da Brigada Militar, mas não conseguiu regularizar a função de flanelinha. Já em 2013, a prefeitura de Caxias do Sul foi radical: proibiu a atuação dos guardadores de carro.

E o autor de um artigo publicado no jornal gaúcho fez questão de frisar que “este texto é escrito por alguém que não considera profissão a função de flanelinha, ou guardador de carro, ou seja lá como queiram ser chamados aqueles que ficam na espreita de motoristas para, em espaço público, achacá-los sem qualquer fiscalização das autoridades. Faço essa ressalva por reconhecer que a opinião que tenho sobre o assunto provavelmente está calcada na minha total incapacidade de observar qualquer resquício de atividade profissional no “trabalho” feito por essas pessoas.

Nem todos são iguais

Ainda do tal artigo no jornal ZH:

– No papel, as regras são ótimas. A aplicação delas, porém, é risível. Salvo raríssimas exceções de guardadores honestos e cordiais, o que existe é intimidação aos motoristas. Alguém recebe tíquete quando deixa o carro aos cuidados de um flanelinha? A contribuição é mesmo espontânea? Bom, mais do que um gesto espontâneo, pagar pelo “serviço” dos guardadores é uma atitude compulsória e prudente, já que ajuda a evitar que o seu veículo sofra algum tipo de dano (aliás, por parte do próprio flanelinha).

– Em uma atitude corajosa, em 2013 a prefeitura de Caxias do Sul proibiu a função de flanelinha. A de Porto Alegre poderia reconhecer o fracasso na ideia de regularizar essa “profissão” e reproduzir a iniciativa caxiense na capital. Seria um gesto de humildade e de respeito com os porto-alegrenses que, afinal, são os verdadeiros donos dos espaços públicos da cidade.

Adendo do Plural: e, hoje, a questão – ou problema – ganha corpo em muitas capitais. Mas, pelo menos, temos um possível consolo: o motorista sem grana no bolso pode se livrar de uma agressão (física ou verbal), já que surgiram os guardadores de carros que utilizam máquinas de cartão de crédito e débito para as gorjetas forçadas. Isso mesmo.

– Ah, não tem grana viva no bolso? Não tem problema. Aceito cartão…

Curitiba vai resistir a essa novidade?

 

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