Como noticiou o Plural na quinta-feira passada, com o devido destaque, a população do Tatuquara ganha alimentos do MST. E mais: no Dia Nacional de Luta pela Reforma Agrária, camponeses fazem doações para todo o Paraná. Aí, há quem tenha voltado no tempo, lembrando uma cena deveras lamentável. Quando da prisão de Lula, em Curitiba, um grupo do MST seguia até a Polícia Federal para manifestar sua solidariedade ao ex-presidente. Ao passar diante de um bar, portando uma pequena bandeira do movimento, um freguês ficou tremendamente irritado e, reagindo com fúria, foi até a porta e começou a gritar:
– Cambada de vagabundos! Vão trabalhar, vagabundos!
Mas, diante do silêncio de reprovação dos demais frequentadores, o sujeito tratou de se recolher à sua real insignificância.
Uma luta de longa data
O movimento social camponês ganhou forma no Brasil em 1984. Objetivo: realizar a reforma agrária, praticar a produção de alimentos ecológicos e melhorar as condições de vida no campo.
E, anos depois, mais precisamente em dezembro de 2018, o jornal espanhol El País destacaria:
– O surgimento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) não é algo novo na história do Brasil. É uma continuidade das lutas históricas do movimento camponês no país. O Movimento Sem Terra está organizado em 24 estados nas 5 regiões do país. No total, são cerca de 350 mil famílias que conquistaram a terra por meio da luta e organização dos trabalhadores rurais. Mesmo depois de assentadas, estas famílias permanecem organizadas no MST, pois a conquista da terra é apenas o primeiro passo para a realização da reforma agrária.
E ele vê organização terrorista
Não poderia ser diferente. E o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) continua na mira do desconcertado e desconcertante Bolsonaro, que prometeu tratar o grupo, um dos maiores e mais articulados de toda a América Latina, como uma “organização terrorista”.
O MST representa cerca de 400 mil famílias assentadas e 120 mil acampadas em todo o país. Assim sendo, economista João Pedro Agustini Stédile, dirigente nacional do movimento, tratou de rebater o (cada vez mais) furibundo presidente: “O Código Penal diz que uma invasão ocorre quando uma pessoa invade a propriedade do outro em proveito próprio, o que se caracteriza em esbulho possessório e, portanto, ele é penalizado”.
E ressaltou: “Ocupação é quando ocorre de forma massiva por muitas pessoas. Não para tirar proveito próprio, mas para fazer pressão política para que o governo aplique a lei, desaproprie aquela fazenda que não cumpre sua função social, pague uma indenização ao proprietário e distribua aquela terra para reforma agrária”. As famílias só podem ser expulsas de um acampamento mediante uma ação de reintegração de posse autorizada por um juiz, algo que o MST teme que ocorra com mais frequência sob o (des)governo bolsonarista.
A reforma agrária do Tio Sam
A referência do MST não é a coletivização do campo que ocorreu na socialista União Soviética, mas sim a reforma agrária nos Estados Unidos a partir do século XIX e no resto do Ocidente, até meados do século XX. Lotes de terra foram distribuídos a agricultores, dando impulso ao mesmo tempo ao capitalismo industrial. “Antes da crise de 1930, os EUA já possuíam 1,2 milhão de tratores”, afirma Stédile. Já no Brasil fazia-se o contrário. Em 1850, a Lei de Terras instituiu que só poderiam ser proprietários rurais aqueles que tivessem dinheiro para comprar terra pública do Império, impedindo o avanço das pequenas propriedades.
Até então, sesmeiros, aqueles que eram beneficiados pela sesmaria, um lote de terras distribuído a um beneficiário em nome do rei de Portugal, com o objetivo de cultivar terras sem dono, e posseiros utilizavam brechas legais para conseguir a posse das chamadas terras devolutas. Desse modo, escravos libertos e imigrantes, aqueles que realmente trabalhavam na terra, acabavam ficando sem nada.
PS: Os assentamentos do interior do Paraná onde vivem camponeses do grupo MST já se tornaram o maior produtor de arroz orgânico da América Latina.