Nosso trânsito – de louco para algo bem pior

Além dos acidentes, temos poluição sonora, fura-catracas, assaltantes motorizados, ciclistas irresponsáveis e, claro, as barbeiragens de praxe não exclusivas de Curitiba

Cena que se repete na Avenida João Gualberto, Juvevê, no final da tarde: um grupo de três jovens, de bicicleta, pega “carona” no vermelhão, o ônibus expresso, no sentido centro/bairro. Isso mesmo, para vencer a subida até a Praça do Japão, sem pedalar, eles engatam o pé na traseira do veículo e seguem em frente, rebocados. E alegres, comemorando.    

Sábado passado, pela manhã, uma perseguição com trocas de tiros assustou os moradores do Cabral. Uma equipe da Polícia Militar avistou um carro com 3 ocupantes em atitude suspeita. Quando os policiais tentaram a abordagem, os suspeitos fugiram e foram perseguidos. Segundo a PM, a troca de tiros aconteceu na esquina da Rua Manoel Pedro com a Avenida Paraná, próximo ao Terminal do Cabral, onde os suspeitos bateram o carro em um poste.  

E aí, depois de ler o Plural e o noticiário do dia, há quem tenha sacado da estante o livro Trânsito Louco, de Marcos Prado – lançado em 1973.  E temos que a tal Linha Verde visava, no início dos anos 90, a ligação do extremo sul ao extremo norte da cidade, com a inclusão de um trecho da BR-116 na malha urbana. Objetivo: desafogar o conjunto de ruas por onde passava o biarticulado, facilitando o trânsito em face de um desvio para o centro da capital.  

Vícios impermeáveis  

Ainda sobre o trânsito (cada vez mais) louco, Marcos Prado apontava o desafio curitibano: “Implantar um plano de trânsito numa cidade com vícios urbanos impermeáveis a qualquer modificação em sua estrutura viária tradicional”.  

Na apresentação do livro, o então prefeito Jaime Lerner não deixava por menos: o trânsito era “assunto que mais preocupa do que entusiasma, embora num país onde o número de automóveis cresce em progressão geométrica e isso acaba por atingir a todos, indistintamente”.  

Neuróticos ao volante  

Implantado na década de 1970, o exame psicotécnico para obtenção de carteira de habilitação apontou, nas primeiras levas, que em Curitiba “quase 10% dos candidatos mostraram ser neuróticos”. E, ainda conforme Marcos Prado, Curitiba, como todas as cidades “em crescimento espontâneo”, não possui uma infraestrutura para suportar o impacto da era industrial, “cujo efeito mais direto é o aumento progressivo da sua frota de veículos”.

Voltando à Idade Média  

Ainda do livro:  

– Os acidentes são hoje o nosso maior mal social. É um verdadeiro massacre que substitui as pragas da Idade Média no Século XX.  

– O liberalismo econômico, iniciado no final do século XVIII, faz com que escape do controle da comunidade ou da municipalidade a vida urbana, cuja instabilidade é marcante. A cidade passa a ser instrumento de lucro. (…) As pessoas servem-se da cidade. Esta deixa de ser realidade coletiva para ser realidade espacial apenas. A organização da cidade começa a depender da via férrea e das vias de acesso. Perde a autonomia, desaba sua estrutura, cria-se um tecido urbano desordenado.  

A era do automóvel  

– Durante o ano de 1970, em Curitiba, mais de 100 pessoas não voltaram para casa, vítimas de acidentes de trânsito. Em 1971, 66 morreram nas suas ruas e 1.400 em todo o Paraná. E o aumento do número de veículos era vertiginoso: São Paulo atingia quase 1.000.000 de veículos e Curitiba aumentava sua frota 200% em 10 anos.  

– O tráfego, mais que um problema à espera de solução, é uma situação social que requer uma política rigorosa e paciente, insistia Prado. “É necessário entender o tráfego como a presença de veículo na cidade, em movimento e parado. Vemos grande parte da inteligência sendo dedicada apenas à engenharia de fluxo de tráfego – com medidas de volume, desenho de ruas e intersecções –, mas raramente ouvimos alguém indagar porque os veículos se movem, ou se o tráfego poderia ser eliminado ou dirigido a outras direções pela manipulação das causas dos movimentos”.  

No ranking mundial  

Apesar da pandemia, que restringiu o número de circulação de veículos, foram registradas mais de 30 mil mortes no trânsito brasileiro no ano passado. A violência no tráfego viário é mesmo alarmante: o Brasil já ocupou a quarta posição no ranking mundial de mortes por acidentes no trânsito, segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde). E, para piorar esse trágico cenário, no primeiro semestre do ano passado, o trânsito brasileiro matou mais do que os crimes violentos.  

PS: e agora temos também as motociatas do tal presidente da gripezinha… 

Sobre o/a autor/a

Compartilhe:

Leia também

O (des)encontro com Têmis

Têmis gostaria de ir ao encontro de Maria, uma jovem vítima de violência doméstica, mas o Brasil foi o grande responsável pelo desencontro

Leia mais »

Melhor jornal de Curitiba

Assine e apoie

Assinantes recebem nossa newsletter exclusiva

Rolar para cima