Nosso amigo, o Vampiro de Curitiba

Francisco Camargo relembra histórias sobre o escritor Dalton Trevisan

Por conta da tal covid-19 e do isolamento, há quem tenha, com muito respeito, comentado que um curitibano não precisou seguir a recomendação fique em casanão se exponha. Ele, aliás, já foi tema de excelente matéria, aqui no Plural, no ano passado, mais precisamente no dia 29 de janeiro, quando o livro que criou o mito Dalton Trevisan completou 60 anos. Texto de Luiz Claudio Oliveira, sobre a estreia de Dalton em livro, Novelas Nada Exemplares.

E, inclusive, contou com minicontos de Alberto Benett – baseados em seus textos – quando fez 90 anos.  

Um amigo de Dalton, amigo declarado por parte do próprio escritor, pensou com seus botões:

Deve estar folheando seus livros de cabeceira: – a Bíblia, Homero, Cervantes, Tolstói, Tchekov, Flaubert, Joyce, Kafka… Sem esquecer Machado de Assis, o grande clássico da língua portuguesa.

De Leon Tolstói, lembrou a frase: Não é possível ser bom pela metade.

Pelas esquinas da vida

De Dalton Jérson Trevisan sobre Dalton Trevisan:

– Não me acho pessoa difícil, tanto assim que esbarro diariamente comigo mesmo em todas as esquinas de Curitiba.

– Em Curitiba, o homem é a legenda. Se escrevo histórias de vampiro quem é mais participante do que eu?

“Traduzindo” para o tradutor

Sobre Dalton Trevisan (parabéns! No próximo dia 14 de junho!), um de seus (sim, ele os tem!) amigos recordou um episódio. Lá por 1970, seus livros começaram a ganhar o mercado externo. Ou, como diriam mais tarde, começaram a bombar. O primeiro deles: Novelas Nada Exemplares, traduzido para o espanhol, inglês, alemão e, surpresa, holandês.

Conforme relato do próprio Vampiro de Curitiba, foi com o tradutor na Holanda que a porca (quase) torceu o rabo. Afinal, tradução nem sempre é traição… Em um dos contos, Dalton fala do besouro que se debate do lado de fora da janela. Besouro? O tradutor, muito responsável, tentou de todas as formas a mais fiel das transposições, até porque, como já se sabia, tradução traição. Mas qual seria a imagem correspondente de besouro para o leitor na Holanda? Sem querer ser traidor, o tradutor patinava. Só chegava perto… Meticuloso ao extremo, afinal é atleticano desde os tempos da velha Baixada, a tradução vinha e Dalton batia de volta, devolvendo o texto para desespero do editor e, igualmente, do coitado do tradutor.

Culpa do besouro mal traduzido. Lá pelas tantas, o Vampiro não teve dúvida: pacientemente, capturou um besouro, colocou o dito cujo em uma caixa de fósforos (sem dúvida da marca Pinheiro) e despachou o bichinho para a Holanda. Já pensou se fosse barrado na alfândega?

Passado bom tempo, depois de acurado exame ao vivo do besouro made in Brasil e de muitas acrobacias mentais, o tradutor achou um inseto de semelhança e trejeitos mais indicados para transpor para a cuca do leitor holandês o que seria um besouro. E ele, o leitor de outras bandas, pôde beber água de fonte segura.

É, parece brincadeira, mas existem 300 mil tipos de besouros, embora todos pertençam à família dos coleópteros.

Nem atleta ou bailarino

Ainda do Dalton em O Vampiro de Curitiba, reedição, 1974:

– Adolescente, meu ideal era ser corredor de 110 metros sobre barreira. Jovem de bigodinho, sonhei ser farol de dancing, o galã amado por todas as táxi girls. Nem atleta, nem bailarino de gravatinha borboleta, meu lugar é entre os últimos dos contistas menores.

– Um herói solitário é a soma de não sei quantas pessoas. No fundo de cada personagem há um pouco de mim. Nelsinho, o delicado, é certo que sou eu. Também sou Gigi, Naná, Firififi. Vampiro, sim, mas de almas. Espião dos corações solitários. Um escorpião de bote armado, eis o contista.

– Não vou responder às perguntas simplesmente porque não posso, é verdade; sou arredio, ai de mim!  Incuravelmente tímido (um pouco menos com as loiras oxigenadas!). Já se escreveu e se comprovou que os demais vampiros não podem encarar, sem pânico, um crucifixo. Ou réstias de alho, água corrente cristalina…

Dalton não pode ver um jornalista. Vendo, foge, foge literalmente, apavorado. Suas raras fotos surgidas na imprensa foram feitas às escondidas.

Folhetos, o primeiro passo

Nascido em 14 de junho de 1925, o curitibano Dalton Jérson Trevisan sempre foi enigmático. Antes de chegar ao grande público, quando ainda era estudante de Direito, costumava lançar seus contos em modestíssimos folhetos. Em 1945, estreou-se com um livro de qualidade incomum, Sonata ao Luar, e, no ano seguinte, publicou Sete Anos de Pastor. Dalton renega os dois. Declara não possuir um exemplar sequer dos livros – “felizmente já esqueci aquela barbaridade”.

Entre 1946 e 1948, editou a revista Joaquim, “uma homenagem a todos os Joaquins do Brasil”. A publicação tornou-se uma espécie de porta-voz de uma geração de escritores, críticos e poetas nacionais. Afinal, reunia ensaios assinados por Antonio Cândido, Mario de Andrade e Otto Maria Carpeaux  e poemas até então inéditos, como O caso do vestido, de Carlos Drummond de Andrade. Além disso, trazia traduções originais de Joyce, Proust, Kafka, Sartre e Gide e contava com ilustrações de artistas como Poty, Di Cavalcanti e Heitor dos Prazeres.

Prêmios (altamente) merecidos

Mesmo em quase permanente isolamento e na distante Curitiba (do tal eixo cultural do país), Dalton foi agraciado com destacados prêmios literários: Prêmio Ministério da Cultura de Literatura pelo conjunto de sua obra, em 1996; dividiu com Bernardo Carvalho o Prêmio Portugal Telecom de Literatura Brasileira, em 2003, e o badaladíssimo Prêmio Camões, em 2012. No mesmo ano, recebeu também o Prêmio Machado de Assis, da Academia Brasileira de Letras, pelo conjunto de sua obra.

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