Mata Atlântica – só falta o fogo pra assar porco

Diante do festival de absurdos que parece não ter fim do Brasil, há quem tenha recorrido a uma das lições do professor Sérgio Ahrens: "A lei dos homens não revoga as leis da natureza"

Do nosso Plural, texto de Rodrigo Silva, quarta-feira passada: O desmatamento na Mata Atlântica do Brasil cresceu 27% entre os anos de 2018 e 2019. E o Paraná é o terceiro no ranking nacional do desmatamento: só fica atrás de Minas Gerais e Bahia. Ainda do Rodrigo: Floresta brasileira tem apenas 12% de sua vegetação nativa. O aumento do desmatamento no Paraná está diretamente associado à extração de carvão mineral. No ano passado, a Operação “Mata Atlântica em Pé”, do Ministério Público, interceptou 14 toneladas de carvão vegetal.

Mais: a floresta tem 145 milhões de brasileiros, o bioma também abriga 298 espécies de mamíferos, 15.700 plantas, 900 tipos de aves e 350 espécies de peixes. A mata tem 5% de todos os vertebrados do mundo.

Normas polêmicas?

Não bastasse esse cenário devastador, ou devastado, no dia 22 de abril o suposto ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, não escondeu a trapaça do igualmente suposto governo: em reunião ministerial, disse que, como o foco da imprensa está na pandemia da covid-19, era hora de “passar a boiada” e aprovar normas polêmicas no meio ambiente.

Para liberar geral

No início daquele mês, Salles emitiu um despacho que pedia a aplicação de “regras mais brandas para produtores rurais que desmataram a Mata Atlântica”. E, assim, cumprir a promessa de campanha do também suposto presidente Jair Bolsonaro (sem partido e, pior, sem eira nem beira): “tirar o Estado do cangote do produtor”. As medidas “seriam aplicadas aos donos de propriedades onde já funcionavam atividades econômicas desde 2008”.

O desgoverno do tal de Jair deverá ser alvo no CDH (Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas) de um volume crescente de denúncias, quando o mecanismo voltar a se reunir agora em junho. Segundo o jornal Valor Econômico, as acusações vão da negação da gravidade da pandemia até tratamento dado aos indígenas e o enfraquecimento da proteção da Amazônia.

Não é por falta de alerta

A propósito do assunto, ou pior, da desgraça:

De 2014, o documentário A Lei da Água, dirigido por André D’Elia, não perde a atualidade. Encomendado e bancado pela WWF, SOS Mata Atlântica, ISA, IDS e Bem Te Vi Sustentabilidade, mostra a importância das florestas para a conservação das águas e aponta os problemas que serão causados com o Código Florestal aprovado pela bancada ruralista no Congresso.

O Código define o que deve ser preservado e pode ser desmatado nas propriedades rurais e cidades brasileiras. O documentário mostra que “a lei reduz a capacidade das florestas para proteger mananciais de água, já que diminui a área que deve ser protegida nas nascentes”. Mais: “desmatamentos ilegais feitos por mais de 29 milhões de proprietários rurais desde 1965, quando o antigo Código Florestal foi promulgado, acabaram sendo legalizados pelo novo código sob o título de área rural consolidada”.

O alerta, infelizmente, continua valendo – e o documentário, ao denunciar a anistia “a quem destruiu 29 milhões de hectares de florestas ilegalmente no país”, convoca a sociedade para iniciativas e ações “que evitem que o meio ambiente e os recursos hídricos continuem a ser tratados com descaso”.

Até porque, em determinado momento, um deputado tentando justificar sua posição com o argumento mais esfarrapado do mundo:

– Produzir alimentos é tão ou mais importante que preservar o meio ambiente.

indisciplina dos porcos

Aí, diante do festival de absurdos que parece não ter fim, agora claramente patrocinado pelo Palácio do Planalto, há quem tenha recorrido a uma das lições do professor Sérgio Ahrens. Engenheiro florestal, bacharel em Direito, pesquisador em Planejamento da Produção e Manejo Florestal da Embrapa Florestas – Colombo/PR, ele sempre alertou:

– A lei dos homens não revoga as leis da natureza.

– A natureza sempre reage conforme o ataque que venha a sofrer.

E citava uma fábula, a fábula dos porcos assados.

– Certa vez, aconteceu um incêndio num bosque onde havia alguns porcos, que foram assados pelo fogo. Acostumados a comer carne crua, os homens experimentaram e acharam deliciosa a carne assada. A partir daí, toda vez que queriam comer carne de porco assada incendiavam um bosque…  Demorou a procura de um novo método de preparo da carne.

Ao tentarem mudar o sistema, as coisas não ocorriam como o esperado: às vezes os animais ficavam queimados demais ou parcialmente crus.

As causas do fracasso: a indisciplina dos porcos. Afinal, eles não permaneciam no mesmo lugar; a inconstante natureza do fogo, difícil de controlar, as árvores excessivamente verdes, a umidade da terra ou mesmo o tempo quanto ao local, momento e a quantidade de chuva.

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