A cena ocorreu de fato – e com testemunhas, a começar pelo funcionário do caixa: foi domingo passado, numa farmácia, em Curitiba, no Juvevê. Um cidadão chegou todo esbaforido e, furando a fila, quis saber:
– Tem cerveja? Tem cerveja?
Diante do espanto marcado pelo silêncio, deve ter reconhecido a mancada e bateu em reirada. Não bastasse o desgoverno federal, a tal reclusão por conta da pandemia complica ainda mais o dia a dia. E há quem tenha voltado no tempo, imaginando qual seria a reação do saudoso Stanislaw Ponte Preta, o Lalau (11/01/1923 – 30/09/1968), com o FEBEAPÁ – Festival de Besteiras que Assola o País – em versão ampliada devido às contribuições diárias dos novos tempos.
Já no início do golpe civil-militar de 64, Lalau não deixava por menos: batizou de “a redentora” a autoproclamada revolução de março/1º de abril. E, com a edição dos primeiros Atos Institucionais (“que tinham a sugestiva sigla de AI”), os donos do poder decidiram “mandar prender o autor grego Sófocles, que morreu há séculos, por causa do conteúdo subversivo de uma peça encenada na ocasião”. Tratava-se de Electra. A peça de Sófocles que tem como foco um momento de polarizações políticas e profundo debate em torno das questões referentes ao exercício do poder.
O início da jornada
Foi para cutucar por tabela o colunista Jacinto de Thormes (Rio/ 1923-2005), o pioneiro do colunismo social no Brasil, que, em 1945, no Diário Carioca, Stanislaw criaria a seção As Certinhas do Lalau, apresentando uma musa da temporada – geralmente atrizes e vedetes do teatro rebolado.
De Ponte Grande a Ponte Preta
Com uma jornada diária de trabalho nunca inferior a 15 horas, conforme seus biógrafos, Sérgio Marcus Rangel Porto adotou o pseudônimo Stanislaw Ponte Preta (Lalau para os amigos) em homenagem a Serafim Ponte Grande, personagem do escritor Oswald de Andrade (1890-1954). Atuando também no rádio e na TV, além de escrever livros e colunas para revistas e jornais, Sérgio Marcus morreu de infarto em 1968, aos 45 anos.
Ele estudou arquitetura até o terceiro ano. Largou o curso ao ingressar no Banco do Brasil, onde trabalhou por 23 anos. Foi nesse mesmo período que iniciou a carreira jornalística, passando pela Tribuna da Imprensa, Diário da Noite, O Jornal, A Carapuça e revistas como O Cruzeiro, Manchete, Fatos & Fotos e Mundo Ilustrado.
O progresso do subdesenvolvimento
Alguns dos comentários do Stanislaw:
– A prosperidade de alguns homens públicos do Brasil é uma prova evidente de que eles vêm lutando pelo progresso do nosso subdesenvolvimento.
– Basta ler meia página do livro de certos escritores para perceber que eles estão despontando para o anonimato.
– Lavar a honra com sangue suja a roupa toda.
– Pelo jeito que a coisa vai, em breve o terceiro sexo estará em segundo.
– Política tem esta desvantagem: de vez em quando o sujeito vai preso em nome da liberdade.
– Uma feijoada só é realmente completa quando tem uma ambulância de plantão.
– Às vezes eu tenho a impressão de que meu anjo da guarda está gozando licença-prêmio.
– Imbecil não tem tédio.
– O sol nasce para todos. A sombra para quem é mais esperto.
– Licença-prêmio. Licença prêmio.
Um tremendo sucesso editorial, chegando a 3 volumes, o Febeapá – Festival de Besteira que Assola o País é um título que parodia o uso de siglas pela ditadura civil/militar; saiu publicado em 1966, 1967 e 1968. Em julho de 68, no intervalo da apresentação do Show do Crioulo Doido, de sua autoria, foi vítima de uma tentativa de envenenamento – que atribuiu a terroristas de extrema direita.
PS: O que diria (escreveria) hoje o Lalau sobre a gripezinha, a droga em avião presidencial, a compra de uma mansão para bilionários, o genocídio e outros despropósitos do desgoverno? E mais: onde teria guarida? Certamente em poucos veículos do jornalismo de fato plural.