Ainda sobre as ordens da censura aos jornais no pós 31 de março de 1964. Uma delas, passada pelo telefone à redação de O Estado do Paraná e Tribuna do Paraná, era curta e grossa: proibia qualquer notícia a propósito da presença de um navio inglês no litoral brasileiro.
Ninguém entendeu. O tempo foi passando e o episódio (quase) caiu no esquecimento. Mas, anos e anos depois, há quem, em tom de pilhéria, tenha anunciado:
“Decifrei a charada! Deve ter sido o primeiro navio utilizado para o transporte de maconha em grande escala…”
É, o primeiro, porque, em setembro de 1987, como foi amplamente noticiado, um navio, o Solana Star, que vinha da Austrália, transportava 22 toneladas de maconha – devidamente enlatadas. O destino era Miami, mas, como a DEA (Drug Enforcement Administration) tinha alertado as autoridades brasileiras, os traficantes decidiram se livrar da cannabis, jogando as latas ao mar. Que foram parar – para espanto de pescadores e veranistas – no litoral do Rio e de São Paulo. O episódio ficou conhecido como o verão das latas…
Quando o SNI tremeu na base
Ainda sobre os tempos bicudos, tem o episódio de um jovem repórter (quem seria, hein?) pautado para fazer uma matéria sobre a instalação de uma agência do SNI (Serviço Nacional de Informações) em Curitiba. Criado pela Lei nº 4.341, de 13 de junho de 1964, o SNI tinha como objetivo “supervisionar e coordenar as atividades de informações e contrainformações no Brasil e exterior”.
Endereço anotado, um edifício, perto da Praça Santos Andrade, lá foi o jornalista. Segundo andar, apartamento 21. Toca a campainha, um agente abre a porta e o jovem se identifica:
“Boa tarde. Sou repórter…”
Não consegue concluir. O agente começou a esbravejar, tão apavorado quanto o repórter:
“O que você está fazendo aqui? Suma já daqui, fora, rua!”
Antes de virar notícia, o repórter bateu em retirada. Nada heroica.
A sorte e o azar do Chico
Outra dos tempos bicudos. É contada por Mário Lago no livro Primeiro de Abril – Estórias para a História, Editora Civilização Brasileira, 1964. Desempregado, sem um mísero tostão no bolso, Chico vagava pelo Rio de Janeiro quanto topou alguns embrulhos jogados no canto de uma calçada. Continham papéis e muitos livros, muitos livros. Deixou de lado os papéis (“a vida dos outros não me interessava”) e, logo adiante, espalhou os livros na calçada e começou a anunciar a venda de obras que nunca tinha lido – insistindo no preço: “cinquenta pratas cada um”, “preço galinha morta legítima”… Não demorou muito e foi preso. Eram livros altamente “subversivos”. Daí terem sido descartados por alguém que temia ser vítima da caça às bruxas. Título do artigo, página 45: O subversivíssimo.
Como escreveu Guimarães Rosa, em Grande Sertão: Veredas, viver é perigoso. De fato. E, dependendo da época, pior ainda.
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