Censura – via papel e também pelo telefone

Com o golpe civil/militar de 1964 muita coisa deixou forçadamente de virar notícia; mas restou (no papel) o registro das proibições

Tempos altamente bicudos: era bastante comum a breve presença de uma viatura policial nas proximidades da sede de um jornal. E, entregue a proibição de “ordem superior”, a dupla de policiais voltava à viatura da PF e seguia em frente. O previsível: não demorou muito e foram dispensadas as formalidades “legais” e as notificações passaram a ser feitas pelo telefone. No caso de O Estado do Paraná, com as máquinas de escrever, o jornalista na chefia de redação era forçado até a utilizar papel carbono, já que a notificação atingia dois veículos impressos. A cópia era pra Tribuna, que rodava depois de O Estado.

No dia 21 de setembro de 1971 estava (ou estaria) em pauta a morte de Lamarca, Carlos Lamarca. Ele foi executado no dia 17 de setembro, em Ipupiara, Bahia, na região de Brotas de Macaúbas. Alvo da Operação Pajussara, que reuniu forças de segurança em ação conjunta para capturar o “Capitão da Guerrilha”, como ficou conhecido. Ordem da censura: o noticiário deverá ser moderado.

A oposição (armada)

“Ousar lutar, ousar vencer”. Era dessa maneira que Lamarca terminava seus escritos – e virou um dos principais personagens da oposição ao regime. Na carreira militar, alguns anos após o golpe tinha sido promovido a capitão.

Rumo ao exílio

Em 1968, veio o AI-5 (Ato Institucional número 5). E o compositor e cantor Geraldo Vandré tratou de deixar o país. E assim, permaneceu por alguns dias na fazenda de Aracy de Carvalho Guimarães Rosa, viúva do escritor Guimarães Rosa, que falecera no ano anterior. Há registros que Vandré também teria recebido ajuda do governador de São Paulo, Abreu Sodré, permanecendo (escondido) no Palácio dos Bandeirantes. Logo depois, partiu para o Chile e, de lá, foi para o Peru. De lá, seguiu para a Argélia, Alemanha, Grécia, Áustria, Bulgária e França. Só voltaria ao Brasil em 1973, gravando apresentações para o programa de Flávio Cavalcanti e para o Fantástico, da TV Globo. Mas elas foram censuradas.

A música “Para Não Dizer Que Eu Não Falei das Flores”, que se tornaria famosa, pautava-se na esperança e incentivava a mobilização contra a ditadura. A música, que se tornaria uma espécie de hino de resistência, do movimento civil e estudantil, acabou censurada. Ordem da censura: “proibido qualquer comentário ou notícia sobre o subversivo”.

Nem padres escapavam

Outra proibição: 29/08/1970: não divulgar manifesto assinado pelos arcebispos e bispos do Nordeste relativo à prisão dos padres José Antonio Magalhães Monteiro e Xavier Giles de Maupeou D’Albleiges. Com um acréscimo. Agradecemos atenciosa colaboração.

Do que se tratava? Ainda que tenha havido colaboracionismo, a História aponta que o pastor presbiteriano Jaime Wright e bispos como dom Paulo Evaristo Arns, dom Hélder Câmara, dom Adriano Hypolito, dom Pedro Casaldáliga, dom Clemente Isnard e dom Waldyr Calheiros foram incansáveis na luta contra a ditadura.

Tanto que, no dia 29 de agosto de 1970, arcebispos e bispos do Nordeste assinaram um manifesto contra a prisão dos padres José Antônio Magalhães Monteiro e Xavier Gils de Maupeou D’Albleiges.

E veio a proibição, por escrito, com uma espécie de PS: Agradecemos atenciosa colaboração. Isso mesmo. Pronta e atenciosa colaboração.

A CNBB se fechava para os abusos da ditadura. Mas a Igreja não tem a hierarquia dos militares. Apesar da cúpula conservadora, os progressistas eram livres para agir em suas dioceses e paróquias. Religiosos protegiam grupos de esquerda, inclusive armados.

O outro lado da moeda

Capa do livro Cães de Guarda – Jornalistas e Censores, de Beatriz Kushnir.

Não demorou muito e surgiria o que foi batizado de cães de guarda pela historiadora Beatriz Kushnir, ao demonstrar “a imprensa que colaborou com a ditadura”.

Beatriz é autora do livro Cães de Guarda – Jornalistas e Censores, do AI-5 a Constituição de 1988. Lançado em 2004, pela Boitempo Editorial, mostra o que muita gente ainda tenta esconder hoje em dia. Com a palavra, sem censura, grifo nosso, Beatriz Kushnir:

– A censura à imprensa no pós-64 atuou a partir de uma agência chamada Sigab (Serviço de Informação do Gabinete), que estava diretamente vinculada ao gabinete do ministro da Justiça. Eram censores da Polícia Federal, que foram transferidos para esse serviço e que, diariamente, ligavam para os jornais para dizer: “De ordem superior fica proibido…”. Eram os chamados bilhetinhos da censura. Muitas vezes os jornalistas sabiam o que estava acontecendo a partir desses telefonemas. Isso tudo foi feito depois do AI-5. Mas, na noite de 13 de dezembro de 1968, a maior parte das grandes redações passou a receber pessoas do Exército para fazer censura. Os veículos também receberam uma lista do que estava proibido e permitido liberar. Era um número muito reduzido de censores. Então, como esse número reduzido fazia censura à imprensa, ao teatro, à música, ao cinema? É porque se trabalhou com a ideia de autocensura.

PS: sobre a autocensura citada pela escritora Beatriz Kushnir. Era comum na redação de certos jornais a relação de “amigos da casa”, ou seja, certos políticos, autoridades civis e militares e anunciantes. Intocáveis no jornalismo meia tigela. Daí o tremendo sucesso do jornalismo quando plural, como o nosso Plural.

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