Capital e trabalho (de braços dados?)

Francisco Camargo mostra como as greves ajudaram a mudar a realidade dos trabalhadores brasileiros

Está lá na Constituição Federal, ou Carta Magna, em seu artigo 9.º, e na Lei n.º 7.783/89: é assegurado o direito de greve a todo trabalhador, competindo-lhe a oportunidade de exercê-lo sobre os interesses que devam por meio dele defender.

A propósito de reivindicações e direitos conquistados, há quem também ressalte que era dramática a situação brasileira no início do século XX: eram 14 horas de trabalho por dia, embora em muitos casos ele atingisse 17 horas do dia. Meia hora de intervalo para almoço.

O comércio fechava entre 9 e 10 da noite. E havia até castigos físicos para os mais jovens quando cometiam erros. A semana tinha seis dias de trabalho e o domingo para descanso. Não remunerado, é claro. Havia no Brasil 150 mil operários dando duro. Começaram, então, a pipocar greves. Passo seguinte, a formação de sindicatos.

Nos primeiros anos do século foram criados mais de mil sindicatos no país. E muitos deles se uniram. Em abril de 1906, por exemplo, o Rio de Janeiro, então Capital Federal, foi palco do 1.° Congresso Operário Brasileiro. No ano seguinte, por força de decreto, foi autorizada a criação de sindicatos profissionais, mas eles teriam de atuar “sob o espírito da harmonia entre patrões e empregados”. Ou seja, capital e trabalho deveriam andar de braços dados.

A luta, então, estava concentrada na redução da jornada de trabalho para 8 horas, direito que os trabalhadores da Europa já desfrutavam. E a emigração foi fundamental para os avanços. Em 20 anos, o Brasil tinha recebido quase 2 milhões de imigrantes e, com eles, novos ventos, a certeza de que o trabalhador tinha uma malha de direitos. Tal reconhecimento, na Europa, custou mais de um século de lutas.

Memória resgatada

Também é bom lembrar a greve geral de 1917 em Curitiba. Está no livro A Greve Geral de 17 em Curitiba – Resgate da Memória Operária, de Ricardo Marcelo Fonseca e Maurício Galeb, com prefácio do advogado Cláudio Ribeiro. De 1996, o livro do Instituto Brasileiro de Relações de Trabalho (Ibert) resgata “a grande luta dos operários curitibanos no mês de julho de 1917”. E faz justiça “com aqueles operários que, apostando na dignidade humana, se insurgiram contra a exploração”.

Das férias ao reajuste salarial

Somente em 1925, um avanço: o decreto que tornou obrigatório por parte de estabelecimentos bancários, industriais e comerciais a concessão, anual, de férias remuneradas de 15 dias a seus empregados. Em 1932, outro decreto limitou a jornada de trabalho na indústria em 8 horas diárias, com a ressalva de que o trabalho só poderia ser prorrogado para 12 horas “em casos extraordinários”.

A partir daí, as greves passaram a ser principalmente por reajuste salarial. A maior delas ocorreu em 1932, em São Paulo: começou na oficina da Estrada de Ferro São Paulo Railway. Aderiram à paralisação os empregados das fábricas de calçados, padeiros, tecelões e operários têxteis. O movimento de 32 chegou ao interior, mobilizando, ou imobilizando, 200 mil pessoas. A greve durou um mês, com a vitória dos trabalhadores, mas, conforme o previsto, muitos deles foram despedidos e vários líderes acabaram na cadeia.

Greve? Chama a polícia

As reivindicações trabalhistas eram tratadas como caso de polícia – e patas de cavalos. Na ordeira Curitiba, faltou espaço nas cadeias. E muitos presos foram parar em lugares incertos e não sabidos.

O livro frisa que “as lutas populares não estão reduzidas apenas aos Tenentes de 22, à Coluna Prestes ou à Intentona de 35”. Mais alguns trechos:

– Em Curitiba, já em 1883 esboçam-se as primeiras tentativas de organização operária com a fundação da Sociedade Protetora dos Operários, iniciativa do pedreiro Benedito Marques. Em seguida, surge a Sociedade Recreativa e Beneficente de Operários Alemães (1884), enquanto italianos anarquistas oriundos da Colônia Cecília fundam a Sociedade Giusepe Garibaldi. E, em 1891, circula o primeiro jornal de trabalhadores, o Operário Livre. Em 1906 é fundada a Federação Operária Paranaense (F.O.P.) e, no ano seguinte, a capital é sede do primeiro Congresso Operário Estadual, organizado pela F.O.P. e a Liga dos Sapateiros de Curitiba.

“Elemento perturbador da ordem”

Enquanto o chefe de polícia garantia que a ordem seria mantida, separando “o elemento operário do elemento perturbador da ordem”, a cidade mergulhava no caos. O livro registra, entre outros casos, com base nos jornais da época, que no bairro do Portão “foram arrancados alguns trilhos, enquanto a ponte sobre o Rio Belém era danificada e, no alto Bigorrilho, vários postes telefônicos foram derrubados”.

Pouco depois, um grupo “arrancou a ponte sobre o Rio Barigui e sobre o Rio Belém, cortando deste modo a ligação com o matadouro”.

Muitos presos e “sumidos”

No dia 24 de julho, terça-feira, Curitiba “já voltava à sua costumeira normalidade, digna de uma cidade pacata e ordeira”. A repressão policial, “tão festejada e elogiada, acabara com a greve. Mas, apesar de tudo, havia os que não se conformavam e condenavam a ação da polícia. Queriam saber onde foram parar as pessoas como Octavio Prado, Bortolo Scarmagnan e Caetano Grassi, que desapareceram para sempre do cenário curitibano”.

A movimentação operária de 1917 “não foi mera arruaça de anarquistas desocupados nem tampouco um avento primário e infantil dos trabalhadores. Foi, ao contrário, revelador da forte presença de uma classe que, para a historiografia oficial, era (e, no caso curitibano, ainda é) quase invisível. Revelou de modo dramático a existência de um problema que era completamente ignorado pelos extratos dominantes da época: a questão social”, como ressaltam os autores do livro.

Saiu no jornal

Reivindicações da época, conforme comunicado entregue ao jornal Diário da Tarde: “Jornada de 8 horas, abolição completa das multas, impedimento de crianças menores de 14 anos no trabalho, impedimento de moças de menos de 21 anos, os que ganharem por dia terão tabela mínima de 5$000, os por hora a 800, abolição dos trabalhos nocturnos exceptuando se os necessários, não trabalhando mais de seis horas, o patrão não pode dispensar o empregado sem prévio aviso de 18 dias, dando em cada dia uma hora de folga para procurar trabalho, a responsabilidade dos patrões nos acidentes, a extinção das taxas beneficentes obrigatórias como as do bond e da estrada de ferro, a redução dos impostos para carroceiros, a redução dos preços dos gêneros alimentícios, exigir a baixa immediata da farinha de trigo e assucar, diminuição os preços de aluguel de casa, exigir do governo fiscalização dos generos alimentícios, abolição dos trabalhos por peça, hygienenas fabricas, reintegração dos grevistas nos seus primitivos lugares, uma vez cessada a gréve, sob pena do movimento paredista continuar”.

Dica do Plural: sobre o livro, na falta de uma reedição, poderá ser encontrado na Biblioteca Pública – ou, quem sabe, em algum sebo.

 

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