Até quando esse desdém pela vida?

Não bastasse a enxurrada de problemas por conta da pandemia e quem a ignora, ajudando a espalhar o vírus, o (des)governo continua uma tragédia paralela

Por conta da tal gripezinha, o ministro Eduardo Pazuello não aguentou, tirou o time, alegando problemas de saúde. Apenas isso, problemas de saúde, saúde dele, ministro. Estranho. Mal comparando, é como um ministro da guerra sair de fininho no início de um conflito mundial.  

E há quem (sobrevivendo até agora, apesar do suposto presidente e da pandemia) tenha recorrido a seus arquivos. No dia 31 de julho do ano passado, o site Conversa Afiada, do saudoso Paulo Henrique Amorim, noticiava:   

– Mil padres lançam carta com críticas a Bolsonaro e seu “desdém pela vida, profundamente indignados com ações do presidente”.  

Os padres assinam uma carta divulgada em apoio à Carta do Povo de Deus, lançada com a assinatura de 152 bispos que criticam “a incapacidade e inabilidade do governo federal” em enfrentar a crise.  

Escárnio que vem de longe  

No texto, os padres afirmam “que os que nos governam têm o dever de agir em favor de toda a população, de maneira especial, os mais pobres” e se dizem “profundamente indignados com ações do presidente da República em desfavor e com desdém para com a vida”.  

Caminhamos na estrada de Jesus. Carta de padres em apoio e adesão aos bispos signatários da Carta ao Povo de Deus:

– Enquanto os lucros de poucos crescem exponencialmente, os da maioria situam-se cada vez mais longe do bem-estar daquela minoria feliz. Tal desequilíbrio provém de ideologias que defendem a autonomia absoluta dos mercados e a especulação financeira. Às vezes, sentimos a tentação de ser cristãos, mantendo uma prudente distância das chagas do Senhor. Mas Jesus quer que toquemos a miséria humana, que toquemos a carne sofredora dos outros. (EG 56 e 270). E.g. é a abreviação de exempli grata, expressão latina que significa por exemplo.  

– Nós, padres da caminhada, padres contra o fascismo, diáconos permanentes e tantos outros padres irmãos, empenhados em diversas partes do Brasil a serviço do evangelho e do reino de Deus, manifestamos nosso agradecimento e apoio aos bispos pela Carta ao Povo de Deus. Afirmamos que ela representa nossos pensamentos e sentimentos. Consideramos um documento profético de uma parcela significativa dos bispos da Igreja Católica no Brasil, em profunda comunhão com o papa Francisco e seu magistério e em comunhão plena com a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, oferecendo ao povo de Deus luzes para o discernimento dos sinais nestes tempos tão difíceis da história do nosso país.  

O documento é uma leitura lúcida e corajosa da realidade atual à luz da fé. É a confirmação da missão e do desafio permanente para a Igreja: tornar o reino de Deus presente no mundo, anunciando esperança e denunciando tudo o que está destruindo a esperança de uma vida melhor para o povo. É como uma grande tempestade que se abate sobre o nosso país. Os bispos alertam para o perigo de que “a causa dessa tempestade é a combinação de uma crise de saúde sem precedentes, com um avassalador colapso da economia e com a tensão que se abate sobre os fundamentos da República”, principalmente impulsionado pelo presidente.  

Sentimo-nos também interpelados por essa realidade a darmos nossa palavra de presbíteros comprometidos no seguimento de nosso senhor Jesus Cristo. O evangelho ilumina nossa caminhada e vamos aprofundando nosso compromisso na Igreja, sinal e instrumento do reino, a serviço da vida e da esperança. Cada vez mais vemos a vida do povo sendo ameaçada e seus sofrimentos, principalmente dos pobres, vulneráveis e minorias. Tal realidade faz com que nossos corações ardam, nossos braços lutem e nossa voz grite pelas mudanças necessárias. Como recordam os Bispos, nós não somos motivados por “interesses político-partidários, econômicos, ideológicos ou de qualquer outra natureza. Nosso único interesse é o reino de Deus”.  

Os bispos muito bem expressaram em sua carta, recordando o santo padre, o papa Francisco, que “a proposta do evangelho não consiste só numa relação pessoal com Deus. A nossa reposta de amor não deveria ser entendida como uma mera soma de pequenos gestos pessoais a favor de alguns indivíduos necessitados (…), uma série de ações destinadas apenas a tranquilizar a própria consciência. A proposta é o reino de Deus (…) (Lc 4,43 e Mt 6,33) (EG. 180)”.  

Uma trágica omissão  

– Sabemos que os que nos governam têm o dever de agir em favor de toda a população, de maneira especial, os mais pobres. Não tem sido esse o projeto do atual governo, que “não coloca no centro a pessoa humana e o bem de todos, mas a defesa intransigente dos interesses de uma “economia que mata”, centrada no mercado e no lucro a qualquer preço”. Por isso, também estamos profundamente indignados com ações do presidente da República em desfavor e com desdém para com a vida de seres humanos e também com a da “nossa irmã, a mãe Terra”, e tantas ações que vão contra a vida do povo e a soberania do Brasil.  

E aí temos um (dramático) depoimento, do médico Ricardo Kaspchak, médico do SUS, no interior, há 30 anos.  

– A maioria das mortes poderia ter sido evitada se houvesse a compra de vacinas desde setembro do ano passado. Se não houvesse a omissão federal. E o mau exemplo de quem não usa máscaras e despreza o distanciamento social.  

Eu sei, eu constatei que esta panaceia de tratamento precoce não funciona. Perdi amigos enfermeiros e médicos. Tenho minhas mãos manchadas de sangue, mas é pela vida. O governo federal tem as mãos sujas de sangue, mas é pela morte.  

Quem ainda o apoia é cúmplice.  

Desculpem a sinceridade.  

Governo genocida!  


Para ir além

Coisas muito mais do que previsíveis

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