Aleluia, Gretchen – e Sylvio Back

Cineasta recebeu título de Doutor Honoris Causa na UFSC

A Universidade Federal de Santa Catarina concedeu o título Doutor Honoris Causa ao cineasta que ousou desafiar a Boca Maldita e o eixo Rio/São Paulo. 

A dica veio do prezado amigo Paulo Mercer, um cidadão sempre antenado, de Tibagi para o mundo.  

– Pelo conjunto da sua obra literária e cinematográfica dedicada à arte e à cultura catarinenses e brasileiras, a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) concedeu, em dezembro, o título Doutor Honoris Causa a Sylvio Back. Homenagem conferida a pessoas eminentes que tenham se destacado em determinada área “por sua boa reputação, virtude, mérito ou ações de serviço que transcendam famílias, pessoas ou instituições”. A honraria foi outorgada em sessão solene do Conselho Universitário, dia 18 de dezembro – data de comemoração do aniversário de 60 anos da UFSC. 

O título é concedido por universidades – particulares e públicas – a personalidades que tenham se destacado por um grande feito, pela atuação em prol das artes, das ciências, da filosofia, das letras ou do melhor entendimento entre os povos. 

Não foi nada fácil 

A inveja de muitos anuncia o merecimento de alguns, já dizia o Marquês de Maricá. Assim, talvez não fosse nem o caso de lembrar o que Sylvio Back teve de enfrentar. Além das dificuldades próprias de uma atividade cultural que ainda brigava para ganhar espaço no Brasil, em Curitiba abundavam os “críticos” de plantão, notadamente na Boca Maldita. Alguns comentários mais correntes: 

– Cinema brasileiro não vai além das chanchadas da Atlântida – e ponto final. Cinema mesmo é de Hollywood… 

As chanchadas, comédias musicais, atingiram seu auge na década de 1950. Mesmo assim, persistiam os problemas, incluindo o sistema sonoro dos cinemas. Os diálogos (sem legendas, é claro) nem sempre cumpriam sua função a contento. 

– Não entendi patavina do que eles falavam… Bom mesmo é filme americano. Tem legendas. 

Mas havia um grupo que dava todo o apoio a Sylvio Back, a começar por jornalistas como Manoel Carlos Karam e Oscar Milton Volpini, entre outros. 

Até Glauber era fã 

Ainda por conta da homenagem da UFSC:  

– Nascido em Blumenau, filho de emigrantes, Sylvio Back foi também poeta, roteirista, escritor e produtor: 38 filmes e 25 livros. E, uma baita glória, recebeu de Glauber Rocha o apelido de Cacique do Sul, alcunha depois atualizada para Cacique do Brasil, agora pelo também cineasta Cacá Diegues. 

Com 76 láureas nacionais e internacionais, Sylvio tornou-se um dos mais premiados cineastas do país. Breves trechos de um depoimento do cineasta:  

– Na época em que comecei o cinema brasileiro raramente virava suas câmeras para o extremo Sul. Era como se o Brasil terminasse abaixo do eixo Rio/São Paulo. 

– Filmes são que nem filhos. Uns deram mais satisfação, outros me fizeram sofrer mais.  

No papel de pai, ele se diz firme quanto a sua filmografia, mesmo quando suas obras são omitidas, ridicularizadas ou vítimas de incompreensões.  

– Jamais flertei com o público, a crítica ou a mídia. 

Cacique do Sul 

O cineasta e escritor Glauber Rocha sempre declarou que era fã do trabalho de Sylvio Back. Um dos filmes favoritos do diretor baiano era Aleluia, Gretchen, de 1976. A história de uma família alemã que foge do nazismo, durante a II Guerra Mundial, buscando abrigo no Sul do Brasil.  

– Eu o encontrei algumas vezes e Glauber sempre dizia que eu era o Cacique do Sul, relembra. Para os que estão fora do eixo Rio/São Paulo, a dificuldade para formatar a obra é triplicada. 

De olho na tela aos 5 anos 

Sylvio Back tinha apenas 5 anos quando teve o primeiro contato com o cinema. Foi no andar superior do Cine Luz, na Curitiba de 1942. Assistiu à exibição de Bambi, dos estúdios Walt Disney (Walter Elias Disney – 5 de dezembro de 1901/15 de dezembro de 1966). 

E lembraria, numa entrevista: “Assisti de pé, segurando a mão da minha ”. Por conta desta experiência e a paixão pela literatura, dedicou-se ao cinema. E, aos 83 anos, Back alinha em seu currículo 38 filmes, sendo 12 longas-metragens, e 25 livros (roteiros, poesia e ensaios). O que lhe renderam 77 prêmios nacionais e internacionais. 

Os pelados do Contestado 

De 1970, o filme A Guerra dos Pelados aborda a Guerra do Contestado (1912-1916), quando, em 1913, em Santa Catarina, explodiu o conflito motivado pela cessão de terras a uma estrada de ferro estrangeira. Os expropriados passaram a ser chamados de pelados porque rasparam a cabeça e cavaram trincheiras num reduto messiânico, lembrando Canudos. 

O terror fora das telas 

O filme Lance Maior é de 1968 – quatro anos depois do golpe civil/militar autodenominado a Revolução Redentora. A Redentora, para muita gente. Sobre o filme, Back declarou numa entrevista: 

– Ousaria dizer que quase tudo é inédito e único em Lance maior: a capital paranaense pela primeira vez personagem de um longa-metragem com repique nacional; eu inaugurando-me na direção sem antes ter sido assistente de nenhum cineasta; enquanto passeatas no centro de Curitiba se solidarizavam com o emblemático Maio de 68, eu filmava mordendo meu sonho para sempre; execrado por engajar ao elenco conhecida atriz de TV quando o cinema virava as costas pra telinha; ainda que como crítico de cinema incensasse o Cinema Novo, como realizador não me alinhei a nenhum estilo cinematográfico daquela quadra, justamente, por investir tanto numa estética que eu diria “torta”  em face de seu tônus autodidata, e numa pegada existencial alheia ao espectro político em voga; talvez por isso tenha gerado um filme profético pelo seu caráter desideologizado, cuja empatia junto ao público reverbera um frescor de atualidade narrativa e anedótica nunca mais reprisado no meu cinema. 

PS: Lance Maior teve uma cena inesperada: o pai de uma das atrizes, coronel do Exército, fez questão de vir do Rio de Janeiro e, atrás da câmera, acompanhar todas as tomadas em que a jovem aparecia. Talvez temendo o que viria a ser, mais tarde, mais uma pornochanchada

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