Agredida, a natureza reage com toda força

A propósito de certos absurdos que continuam ocorrendo em várias regiões do país, vale lembrar a fábula dos porcos assados e suas consequências

Da tragédia de Brumadinho ao drama das enchentes em São Paulo, Curitiba e outras cidades, há quem tenha recorrido às lições do professor Sérgio Ahrens, engenheiro florestal, bacharel em Direito, pesquisador em Planejamento da Produção e Manejo Florestal da Embrapa Florestas – Colombo (PR). É dele o alerta que, infelizmente, agora continua mais do que nunca necessário:  

– A lei dos homens não revoga as leis da natureza. A natureza sempre reage conforme o ataque que venha a sofrer.  

E citava uma fábula, a fábula dos porcos assados.  

– Certa vez, aconteceu um incêndio num bosque onde havia alguns porcos, que foram assados pelo fogo. Acostumados a comer carne crua, os homens experimentaram e acharam deliciosa a carne assada. A partir daí, toda vez que queriam comer porco assado incendiavam um bosque… E demorou a procura de um novo método de preparo da carne.  

Sérgio Ahrens. Foto: Agência Câmara dos Deputados.

Questão de disciplina  

Ao tentarem mudar o sistema, as coisas não ocorriam como o esperado: às vezes os animais ficavam queimados demais ou parcialmente crus. As causas do fracasso: a indisciplina dos porcos. Afinal, eles não permaneciam no mesmo lugar; a inconstante natureza do fogo, difícil de controlar, as árvores excessivamente verdes, a umidade da terra ou mesmo o tempo quanto ao local, momento e a quantidade de chuva. O sistema simplesmente não podia falhar. Mas, curiosamente, quanto mais crescia a escala do processo, maiores eram as perdas. Assim, nos anos seguintes, muitas experiências não deram os resultados esperados. É que sempre predominava a falta de bom senso na procura de uma solução.  

O homem, um recém-chegado…  

Como detalhava o professor, as leis da natureza surgiram há cerca de 3,5 bilhões de anos e o Homo sapiens é um recém-chegado. A principal característica que marca o Homo sapiens é a sua capacidade de pensar e raciocinar, qualidade esta que é única entre os seres desta espécie.  

Além disso, as leis (dos homens) não existem “em isolamento, individualmente”. E apontava que temos “percepções progressistas que buscam promover a vida, em todas as suas formas e manifestações, como condição essencial e necessária para possibilitar a existência humana”. Do outro lado, temos “argumentos efêmeros, conhecimentos técnicos superficiais e interesses econômicos de curto prazo e insustentáveis, que, por exemplo, propõem a extinção do Código Florestal afirmando que o mesmo não teria bases científicas”.  

A evolução do Homo sapiens.

Espécies extintas e que serão criadas  

É ainda no trabalho O Código Florestal e as Leis da Natureza que Sergio destaca:  

– Estima-se que a Terra tenha se formado há aproximadamente 4,5 bilhões de anos e a vida, unicelular, há cerca de 3,5 bilhões de anos, a partir do que toda biodiversidade existente no planeta evoluiu, mesmo as espécies já extintas e aquelas que ainda serão criadas pelo fenômeno da “especiação”. A espécie humana é “recém-chegada”: talvez exista há somente duzentos mil anos. Consagra-se também, no meio científico, que a agricultura tenha sido concebida, há cerca de doze mil anos, na Mesopotâmia, região também conhecida como “crescente fértil”.  

Referencial para atividades humanas  

– Desde então, na história da humanidade, a domesticação de espécies, vegetais e animais, para uso na alimentação humana, sofreu vertiginoso desenvolvimento, especialmente ao longo do último século. O fato possibilitou fosse desenvolvida a agricultura empresarial, intensiva na aplicação de tecnologias como, por exemplo, o melhoramento genético, a mecanização (desde o preparo do solo, o plantio, os tratos culturais até a colheita) e o uso de insumos químicos como adubos e defensivos agrícolas. Em síntese, em todo o planeta, o desenvolvimento tecnológico tem promovido crescentes níveis de produtividade na agricultura.  

– De outro lado, no universo, e assim também neste planeta, sempre existiram leis da natureza, especialmente da física e da química que antecedem as leis dos homens. Ao longo do tempo, tais leis, acrescidas de outras, principalmente da biologia, foram consagradas pela comunidade científica e constituem importante referencial para as atividades humanas.  

A vida alimenta a vida  

Ainda do professor: a lei da gravitação universal permite, por exemplo, como parte do ciclo hidrológico, que as chuvas “caiam” sobre a terra e que as águas dos rios “corram” para os oceanos. A mesma lei da gravidade, explicada por Isaac Newton, possibilita entender a atração dos corpos celestes. As leis dos movimentos planetários, segundo Kepler, explicam a forma elíptica da órbita dos planetas. Da rotação da terra em torno do seu próprio eixo origina-se o magnetismo que, sabe-se, também afeta o clima no planeta. Adicionalmente, observando-se as cadeias alimentares, verifica-se que a vida alimenta a vida, que dela necessita como suporte para manter-se e se renovar continuamente no tempo e no espaço, em perpetuidade.  

Carl Sagan. Foto: divulgação.

E vale citar Carl Sagan (1934-1996), cientista, astrônomo e um divulgador científico:  

– Somos como borboletas que voam por um dia e acham que é para sempre.  

Guimarães Rosa. Foto: reprodução.

Sem esquecer Guimarães Rosa:  

– Se todo animal inspira ternura, o que houve, então, com os homens?  

A respeito disso tudo, o que diria o autor da máxima “é uma gripezinha” ao se referir à praga da covid-19?  

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