Voluntários da Pátria enfrentaram a guerra mais terrível da América do Sul

O combate devastou o Paraguai e deixou Brasil, Argentina e Uruguai soterrados em dívidas e com incontáveis vidas perdidas

Os primeiros sobreviventes paranaenses da mais terrível guerra que a América do Sul presenciou retornavam para suas casas em clima de festa. A população curitibana ovacionava seus “heróis”. Era dia 27 de abril de 1870 e regressaram 51 voluntários da pátria, que enfrentaram os horrores do campo de batalha da Guerra do Paraguai – chamada também de “Guerra da Tríplice Aliança”.

Eles foram homenageados com festas que se prolongaram até o dia 29. Fogos de artifício, música e recitais de poesia animavam o povo e os soldados do Paraná. Um cenário completamente oposto ao que haviam presenciado pouco tempo antes.

Durante a guerra, que durou de 1864 a 1870, esses soldados – muitos deles despreparados para enfrentar as barbáries do conflito – se depararam com milhares de mortos, prisões, tiros, casas incendiadas e localidades em ruínas. A maioria dos enviados da Província Paranaense era formada por jovens que moravam nas comarcas de Curitiba, Castro e Guarapuava.

O combate devastou o Paraguai e deixou Brasil, Argentina e Uruguai soterrados em dívidas e com incontáveis vidas perdidas. No Brasil havia apenas 18 mil homens no Exército, já que na época não havia obrigatoriedade do serviço militar. O alistamento só passou a ser obrigatório por lei em 1908. A “solução” do Império brasileiro foi baixar o decreto 3.371 de 7 de janeiro de 1865, determinando a formação dos Voluntários da Pátria.

Ou seja, civis que sequer sabiam manejar armamentos foram recrutados para uma sangrenta batalha. Era permitida a participação de todos os cidadãos maiores de 18 anos e com menos de 50 anos. Todos que se apresentassem tinham a promessa de receber o soldo de 300 réis diários depois da guerra e mais 2,5 alqueires de terra.

Todavia, o número de voluntários mostrou-se insuficiente. Uma das respostas encontrada pelas forças imperiais foi arregimentar escravos para encorpar as tropas de Voluntários da Pátria. “Escravos também se apresentaram ou foram recrutados. Muitos fugiam e se alistavam como homens livres, outros eram libertados para a guerra por seus senhores, como substitutos, isto é, no lugar de outra pessoa; em troca de indenização pelo governo”, escreve o historiador Ricardo Salles.  Alguns pesquisadores chegam a estimar que 200 mil brasileiros foram para a batalha.

Salles salienta ainda que um número elevado de brasileiros, não menos que 50 mil – alguns estimam em até 100 mil –, não regressaram da Guerra do Paraguai. Muitos morreram em consequência de doenças, fome, variações climáticas e exaustão física.

Paranaenses no front

Segundo o historiador David Carneiro, o Paraná cedeu cerca de 2.020 pessoas, sendo quase 500 como “voluntários”. Ao todo, a região Sul forneceu 9,7 mil voluntários da pátria e mais 1,5 mil escravos.

No entanto, o historiador e pesquisador Edilson Pereira Brito, autor de uma dissertação de mestrado sobre o tema pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), ressalta que os dados de paranaenses que foram designados para a Guerra do Paraguai tendem a ser subestimados.

O relatório apresentado pelo governo da Província do Paraná em 1867, relativo ao ano de 1866, aponta que 1.513 paranaenses já teriam ido à guerra. “Se somarmos apenas os dois primeiros anos do conflito, a Província do Paraná havia enviado quase 80% do número total dos soldados computados pelo Ministério da Guerra. Ficando desta forma apenas 413 soldados para os anos finais do confronto. Este número não é condizente com o contexto da guerra no período. Provavelmente o número de recrutados foi bem superior ao indicado pelo relatório”, ressalta o pesquisador. 

Índios e escravos

Brito revela que muitos indígenas do Paraná foram utilizados e recrutados para a batalha no Paraguai. Outros eram arregimentados para fazer a segurança das cidades sem policiamento. Um desses exemplos está em uma carta do diretor geral do aldeamento indígena para o governo provincial solicitando o pagamento de 23 indígenas, que se encontravam realizando o trabalho de guarnição na Comarca de Guarapuava no ano de 1865.

Segundo um anúncio no jornal Dezenove de Dezembro, em época da guerra, um escravo fugiu de seu proprietário para se alistar no Exército. “Isso mostra como a escravidão no Brasil era perversa, já que muitos escolhiam servir na Guerra do que viver sob o jugo do cativeiro”, afirma Edilson Brito.

Saldo financeiro

Após o fim da guerra, o Império Brasileiro ficou soterrado de dívidas – o que gerou, mais tarde, insatisfação da população, contribuindo para aumentar a reprovação ao regime monárquico no país. Nos anos de guerra, o Império Brasileiro dedicou-se integralmente ao combate, esquecendo-se das reformas e das políticas internas.

Estima-se que foram gastos 614 mil contos de réis na luta, onze vezes o orçamento governamental para o ano de 1864, por exemplo. Os gastos com o Ministério da Guerra saltaram de 21,9% em 1864 para 49,6% no ano seguinte. Nos demais anos de conflito mantiveram-se porcentagens acima de 41%. O reflexo foi um desgaste intenso do Império que, sem recursos financeiros, não conseguia atender as demandas sociais básicas da sociedade brasileira.

Sobre o/a autor/a

Compartilhe:

Leia também

Melhor jornal de Curitiba

Assine e apoie

Assinantes recebem nossa newsletter exclusiva

Rolar para cima