Sicupira ou Afonso Botelho, o bandeirante?

Substituição na praça em frente ao estádio do Athletico: sai colonizador português, entra ídolo athleticano. Projeto quer mudar nome do local

Um projeto de lei protocolado na Câmara de Vereadores de Curitiba pelo vereador Professor Euler (PSD) propõe mudar o nome da praça Afonso Botelho, em frente à Arena da Baixada, para Barcímio Sicupira, em homenagem ao ídolo do Athletico Paranaense, que morreu no domingo (7) aos 77 anos.

Mas quem foi Afonso Botelho? Esta coluna pretende resgatar um pouco da trajetória desse tenente-coronel que foi ajudante de ordens do governador da capitania de São Paulo e foi responsável por realizar uma série de expedições Paraná adentro, principalmente na região dos Campos de Guarapuava.

Afonso Botelho nasceu em 1728 e foi, segundo a historiadora Tatiana Takatuzi, um fidalgo português que “chegou a São Paulo em 1765, como ajudante de ordens do governador da capitania de São Paulo, seu tio Morgado de Mateus”. “À época, superintendia os serviços de mineração e de administração pública nas vilas de Paranaguá e Curitiba, ao mesmo tempo em que era tenente-coronel comandante das milícias”, escreve a historiadora.

Ele foi o “fiel executor das ordens e da política do Morgado de Mateus em território paranaense”, conforme explica o historiador Rui Wachowicz. Uma das primeiras missões conferidas a ele era prevenir o litoral paranaense de um eventual ataque espanhol. Vale contextualizar: o Tratado de Madrid, que reconheceu o domínio português sobre territórios localizados a oeste do que apontava o Tratado de Tordesilhas, tinha sido anulado – com isso, Portugal fez valer uma nova política de fronteiras. “Colocou em prática uma política para recuperar a economia e deu ênfase à expansão territorial”, resume o professor Renato Mocellin.

No litoral paranaense, Botelho mandou erguer a Fortaleza de Nossa Senhora dos Prazeres da Ilha do Mel (entre 1767 e 1769) e em 1771 fundou a Vila de Guaratuba e a vila de São José de Arapira (no atual município de Guaraqueçaba).

A política da Coroa lusitana era, no entanto, bem maior: fazer um levantamento geográfico das regiões e estabelecer bases para “uma futura invasão dos domínios castelhanos”, segundo aponta Wachowicz.

Tatiana Takatuzi conta que as primeiras explorações militares rumo aos Campos de Guarapuava datam da segunda metade do século 18. Entre os anos de 1768 e 1774, foram enviadas sucessivas expedições militares para as regiões que circundavam o Rio Registro e o Rio Tibagi. Morgado de Mateus “encarregou o seu sobrinho, o próprio Afonso Botelho para instruir, comandar e organizar” essas ações bandeirantes lusitanas.

Como tenente-coronel, Botelho organizou grandes expedições na região que engloba o atual estado do Paraná, abrangendo desde os Campos Gerais até o Rio Paraná. Ao todo foram enviadas onze expedições (bandeiras) do governo da capitania de São Paulo em direção aos sertões do Tibagi, Ivaí e Iguatemi. Essas bandeiras tiveram o propósito de, em suma, sancionar a posse de novos territórios para a Coroa Portuguesa e descobrir novas minas de ouro.

O discurso dirigido por Afonso Botelho às suas tropas era para que se travasse uma comunicação amistosa com os indígenas. “Por trás do discurso de brandura escondia-se o propósito de subjugar os indígenas, pois pretendia-se ao final do reconhecimento da região e de seus habitantes, obter garantia de fidelidade e vassalagem à Coroa Portuguesa, fazendo dos índios súditos de Portugal e ‘guardiões das fronteiras’ das terras meridionais do Brasil”, revela a historiadora. Botelho ainda elaborou vários relatos e documentos cartográficos que tinham por finalidade apontar locais onde poderia ter minas de ouro, além de inventariar os recursos naturais e dar a localização precisa dos aldeamentos indígenas.

Em 1770, uma dessas expedições descobriu os Campos de Guarapuava. Tanto que no brasão do município consta a data “09 – 09 – 1770”, dia em que se “comemora a posse da Real Coroa Portuguesa e chegada da primeira expedição nos Campos de Guarapuava, com Cândido Xavier de Almeida e Souza e Afonso Botelho de Sampaio e Souza”, de acordo com o site da prefeitura de Guarapuava.

Uma das mais célebres bandeiras se deu justamente após a descoberta dos Campos de Guarapuava e visava “povoar” a região. Só não contavam com a resistência de quem já habitava local: os indígenas Kaingang. Foi nessa expedição que se deu o primeiro contato com os indígenas, em dezembro de 1771. “Após o primeiro encontro das tropas de Botelho com os índios, uma cruz de madeira foi erguida no local a que se denominou Santa Cruz, reiterando o predomínio da Coroa em terras habitadas pelos indígenas”, revela Tatiana.

No começo, a relação entre os portugueses e os indígenas foi marcada por troca de objetos, Botelho chegou a visitar aldeias e os indígenas visitaram o acampamento das tropas. No entanto, os indígenas estavam temerosos das pretensões dos colonizadores portugueses. “Os índios pareciam estar cientes da presença dos soldados, fossem inimigos ou não, e do perigo que o seu aparato militar representava”, salienta a historiadora.

Em janeiro de 1872, cerca de 150 indígenas visitaram as tropas portuguesas. O número elevado de pessoas fez com que Botelho ordenasse aos seus oficiais que cada qual mantivesse a sua arma a postos para atirar. Os indígenas traziam milhos e bolos de milho que, mais tarde, foram descritos por Botelho, como “asquerosos”.

Porém, os indígenas perceberam a postura dos portugueses, que se mantiveram quase todo o tempo em posição de ataque. Os indígenas, então, convidaram alguns soldados para os acompanharem em uma caminhada. “Persuadidos por ‘carinhos’, possivelmente das mulheres, os soldados acompanharam os índios até meia légua de distância, em um monte quase em frente ao abarracamento, onde sofreram um ataque mortal”, descreve Tatiana. Era uma emboscada. Sete soldados foram mortos.

Diante da ofensiva e do número elevado de indígenas, Afonso Botelho constatou que não tinha estrutura e nem quantidade de soldados para prosseguir com qualquer ação na região. A resistência indígena, assim, fez com que ele e suas tropas abandonassem a localidade. A expedição mostrou-se, como escreveria mais tarde Ruy Wachowicz, “inútil”. Somente depois de quase quatro décadas, a partir de 1810, os colonizadores portugueses começaram a povoar Guarapuava.

Botelho, por sua vez, em seus escritos deixou eternizado o seu verdadeiro pensamento a respeito dos indígenas: “Fazem-se necessárias outras ordens e outras forças, para se poderem tratar como inimigos, que enquanto não as houver para diretamente ir aos seus arranchamentos, queimá-los e destruí-los, aos homens degolá-lo; aos pequenos, tirá-los (sic) educá-los em povoado, as mulheres da mesma sorte – conforme foi republicado na obra escrita por Tatiana Takatuzi (Águas bastimais e santos óleos: uma trajetória histórica do aldeamento de Atalaia).

Diante desta breve contextualização histórica, quem vale ser homenageado? Sicupira ou o bandeirante Afonso Botelho, que organizou as expedições que vieram a “descobrir” os Campos de Guarapuava, sobrinho do governador de província e que foi obrigado a justificar o fracasso da última expedição para o tio?


Para ir além

Takatuzi, Tatiana. Águas bastimais e santos óleos: uma trajetória histórica do aldeamento de Atalaia. Curitiba: SAMP, 2014.

Mocellin, Renato. História Concisa do Paraná. Curitiba: Editora Prismas, 2018.

Wachowicz, Ruy. História do Paraná. Curitiba: Editora Gráfica Vicentina. 7ª edição, 1995.

Site da prefeitura de Guarapuava: https://www.guarapuava.pr.gov.br/conheca-guarapuava/brasao/

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