O homem que colocou ordem na futura capital

Pardinho o primeiro “servidor do Estado” que buscou orientar a população a respeitar regras, leis e, sobretudo, o próximo

Durante o final do século 17, a vila que daria origem a futura capital paranaense foi oficialmente fundada. Era o dia 29 de março de 1693. Porém, o pequeno povoado carecia de organização e de regras de convivência. Tratava-se, naquela época, de uma região habitada por somente 90 famílias – grande parte se fixou na região em busca de ouro.

A situação mudou quando entrou em cena a figura do ouvidor Rafael Pires Pardinho, que chegou na região com o objetivo de ditar os rumos do povoado. O ouvidor Pardinho foi a primeira autoridade, propriamente dita, da Coroa que visitou pessoalmente o que hoje é o estado do Paraná.

Coube a ele a missão de realizar, em 1721, uma correição no estado, dando diretrizes quanto aos trâmites jurídicos, normas para se viver em sociedade, quais os investimentos que se faziam necessários, esclarecer regras de tributação e arrecadações de impostos, entre outros. Enfim, foi Pardinho o primeiro “servidor do Estado” que buscou orientar a população a respeitar regras, leis e, sobretudo, o próximo.

Em suas anotações consta que a comunidade local ocupava um raio de apenas sete léguas ao redor da vila. A partir desse limite, a historiadora Altiva Pilatti Balhana escreveu que “existiam infinitos campos, que eram desconhecidos, para os lados de oeste e do sul, e que só para o norte da vila, ao longo da estrada que ligava Curitiba a São Paulo, existiam algumas fazendas de criação de gado, de propriedade de habitantes de Paranaguá e de São Paulo”.

Justiça e normas sociais

Pardinho teve a tarefa de detalhar as indicações precisas que orientassem o crescimento da vila, assim como dar instruções para o funcionamento da justiça e estabelecer normas de convivência entre os cidadãos. Nessa época, a vila já era composta por 1,4 mil pessoas e as habitações eram construídas com materiais encontrados ao redor, como madeira, barro, taquara e pedra.

Pardinho alertou sobre as edificações, pontes e abertura de estradas, construção de praças, estabelecimento de regras para criação de gado, normas para se observar nos processos e nas eleições, entre outras medidas. Ao instituir a Justiça, Pardinho separou – fisicamente – a Câmara Municipal da Igreja Matriz, pois desde 1629 as duas instituições dividiam o mesmo edifício.

Ordens econômicas

Pardinho proibiu as transações comerciais realizadas em ouro em pó, extraído dos riachos de Curitiba. Determinou que era lícitas apenas as negociações realizadas com moedas reais oficiais. Obrigou juízes e oficiais da Câmara a comunicarem às autoridades da Capitania de São Paulo qualquer descoberta de ouro na região.

Ruas retas e sem armas

Ele ordenou que as ruas deveriam ser contínuas e retilíneas e as edificações contíguas, resultando numa quadra compacta e retangular de modo que impedisse a possibilidade de pátios ou corredores laterais, de forma a garantir a segurança dos habitantes. Além disso, a vila deveria comportar apenas atividades comerciais, artesanais e religiosas.

Dentro da vila, era proibido o uso da arma de fogo para evitar atos criminosos – diferente do que um tal presidente propaga por aí em pleno século 21.

Aos agricultores estavam reservadas as áreas do rocio para o desempenho de suas atividades. Tais atitudes evidenciavam a imposição de uma espacialidade urbana na cidade e delineavam a separação entre a cidade e o campo.

Outra preocupação das autoridades com a ordenação do território era a necessidade de manutenção de caminhos e pontes. O ato de construir passou a ser uma concessão do poder público e deveria seguir as normas ditadas pelo ouvidor.

Com essas ações, Pardinho procurava fazer com que a Câmara Municipal assumisse a sua responsabilidade para impor regras na vila recém-criada, conforme atesta o historiador Renato Mocellin.

Para Balhana, as determinações de Pardinho indicavam, inclusive, que a cooperação dos moradores valia mais do que o pagamento de impostos. Até a limpeza das vielas e dos riachos era de responsabilidade dos moradores.

É possível, portanto, apontar que a capital que conhecemos hoje começou a ser lapidada pelas normas ditadas por Pardinho, que se preocupou em impor medidas para organizar e ordenar uma vila que existia há pouco tempo.

Ao passear pelo passado e observar a atuação de Pardinho é inevitável se refletir sobre o futuro do país – especialmente diante do contexto que vivemos. O Brasil verá, em um futuro não tão distante, surgir uma nova liderança política que consiga ditar rumos conscientes para sairmos do buraco que estamos afundados?

Quem era

Pardinho era formado em Direito pela Universidade de Coimbra, em 1702, e exerceu em seu país de origem os cargos de Juiz de Fora e Juiz do Crime até 1715 na região de Algarve e em Lisboa. 

No dia 8 de março de 1717, já no Brasil, foi nomeado Ouvidor Geral da Capitania de São Paulo, tomando posse do cargo em 25 de setembro do mesmo ano. Prestou serviços como corregedor durante 16 anos, providenciando provimentos a quatro vilas do Brasil meridional: Paranaguá, São Francisco, Curitiba e Laguna. Na época, ele tinha 47 anos.

Ouvidor Pardinho faleceu em Lisboa, em 28 de dezembro de 1761, e foi sepultado na capela de Nossa Senhora do Paraíso.

Sobre o/a autor/a

Compartilhe:

Leia também

Mentiras sinceras me interessam

Às vezes a mentira, ao menos, demonstra algum nível de constrangimento, algum nível de percepção de erro. Mas quando a verdade cruel é dita sem rodeios, o verniz civilizatório se perde

Leia mais »

Melhor jornal de Curitiba

Assine e apoie

Assinantes recebem nossa newsletter exclusiva

Rolar para cima