A escravidão de índios e negros no Paraná

No território onde hoje é o estado do Paraná, antes de os africanos serem escravizados, os povos indígenas se tornaram os primeiros alvos dos colonizadores

A escravidão esteve presente em território paranaense desde meados do século 17. A barbárie prosseguiu até a assinatura da Lei Áurea, em maio de 1888, que fez o Brasil entrar para a história como o último país do Ocidente a acabar com o regime escravocrata.

A partir meados de 1550, os europeus decidiram pelo tráfico de habitantes do continente africano para servirem aos senhores brancos que habitavam o Brasil. Vinham de várias regiões, como Congo, Angola, Moçambique e Etiópia. Forçados ao trabalho escravo, eles atuaram em mineração e outras e atividades extrativistas, lavoura, ofícios urbanos e afazeres domésticos. Também eram empregados nas oficinas de carpinteiro, sapateiro e alfaiataria. Eram eles que, na prática, construíam o Brasil.

Índios

No território onde hoje é o estado do Paraná, antes de os africanos serem escravizados, os povos indígenas se tornaram os primeiros alvos dos colonizadores. Após o emissário da Coroa lusitana, Eleodoro Ébano Pereira, comunicar oficialmente a descoberta de ouro na região às autoridades portuguesas entre 1648 e 1651, alguns bandeirantes vieram à Curitiba motivados pela exploração do minério e para escravizar indígenas para explorar seu trabalho.

Os registros dos primeiros povoadores que se fixaram em terras curitibanas – Baltazar Carrasco dos Reis e Mateus Leme – datam de 1661. Nesse período, escravizar índios era o habitual na região – como em todo o Paraná. Por exemplo: os ataques dos bandeirantes portugueses, vindos de São Paulo, eram constantes no lado oeste do Paraná, já que no começo do século 17, essa região do estado era ocupada pelos espanhóis. Os objetivos principais eram afugentar os espanhóis da localidade e capturar indígenas para trabalhar em áreas agrícolas de São Paulo, principalmente.

Estima-se que um total de 100 mil índios foram vitimados pelas bandeiras, sendo 15 mil mortos, 60 mil escravizados e 13 mil que se perderam ou fugiram mato adentro. Antes, já existiam expedições nesse sentido: em 1628, o bandeirante Antonio Raposo Tavares iniciou a ação escravizadora contra os indígenas na região a oeste do estado, conforme escreve o historiador Ruy Wachowicz.

“A escravização de indígenas e a constante procura de metais teriam, por consequência, ainda na primeira metade do século 17, a ocupação portuguesa em terras do litoral e do primeiro planalto paranaenses”, ressaltam Altiva Pilatti Balhana, Brasil Pinheiro Machado e Cecília Westphalen.

Africanos escravizados

Não há um registro específico de quando ocorreu a “substituição do escravo índio pelo escravo africano”, segundo Balhana e Westphalen, mas é possível afirmar que essa substituição foi ocorrendo de modo gradativo e se intensificando a partir da segunda metade do século 17.

A historiadora Balhana aponta que a partir de 1674 já havia registros documentais que apontavam a existência de negros escravizados a serviço de membros da Coroa em território paranaense. “Não apenas no litoral, mas igualmente no planalto, aparecem os negros desde o começo da ocupação, operando nos diferentes setores de produção”, escreve a autora. Há um caso de um “negro que o povo tinha comprado” em 1654 para atuar como pescador a serviço do padre de Paranaguá. “Por ser enfermo”, o “dito escravo não servia”, segundo descreveu Antônio Vieira dos Santos.

Mesmo assim, a mão de obra indígena era utilizada ainda nos séculos 17 e 18 por grande parte da população, segundo a historiadora Bruna Portela. Na vila de Curitiba, foi observado “que entre 1685 e 1750 os batismos de índios superavam o de negros e que entre 1751 e 1777 esta proporção se inverteu”, indicando que a transição da mão de obra escravo havia se consolidada. “Após o ano de 1750 os indígenas, por sua vez, tornam-se cada vez mais raros na documentação, acontecendo justamente o inverso com a população negra”, escreve a pesquisadora. Com isso, o mercado de escravos negros começou “a ganhar consistência a partir de 1750” na região, conforme Portela.

História manchada

Assim, o Paraná tornou-se um dos tantos locais deste episódio que manchou a história do país por quase três séculos. O porto de Paranaguá, inclusive, virou um centro de contrabando de escravos. Em 1772, a área que hoje pertence ao Paraná tinha cerca de 7,6 mil habitantes, segundo estudos da historiadora Altiva Pilatti Balhana. Desses, 1,7 mil eram escravos – quase 22% da população total

A partir de 1853, quando foi criada a Província do Paraná – o território até então pertencia a São Paulo –, a escravidão de africanos marcou a região de forma mais acentuada. Tanto que, quase uma década antes da abolição, em 1876, o Paraná chegou a contabilizar 10.560 escravos – sendo mil na cidade da Lapa e 920 em Curitiba.” As relações de produção, baseadas no trabalho escravo, foram o alicerce do desenvolvimento paranaense a partir do final do século 18”, escreve o historiador Fernando Franco Netto. O historiador Romário Martins relata que em 1884 havia cerca de 6,7 mil escravos distribuídos em pelo menos 24 localidades do Paraná.

Reflexos atuais

A escravidão – tanto dos povos indígenas quantos dos africanos – traz impactos sociais e econômicos até hoje ao Brasil. Trata-se de uma ferida gigantesca aberta ainda na época em que o país era uma colônia e que permanece sem cicatrizar até os dias de hoje, especialmente porque não foram efetivadas políticas sociais públicas voltadas aos ex-escravos e, ao contrário, foram colocados em prática vários artifícios de exclusão, dentre eles, o principal: o racismo.

A história, assim, ajuda a explicar um presente que insiste em reproduzir diversos atos racistas pelo país. As pessoas negras representaram, por exemplo, 77% das vítimas de homicídio no Brasil, de acordo com o Atlas da Violência 2021.

Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgados ano passado, apontam ainda que a desigualdade social e racial prevalece no país: a população de raça branca ganhava em média 73,4% a mais do que a preta e entre as pessoas abaixo das linhas de pobreza, 70% eram afrodescendentes. Sem contar no risco de extermínio dos indígenas brasileiros devido ação de jagunços e mineradores, cujas ações não são detidas e, ao contrário, são muitas vezes estimuladas por representantes de governo que se somam a uma inoperância governamental.  

Foram mais de três séculos mergulhados na escravidão. O Brasil é um país que acumula uma dívida histórica com a população negra e indígena e, como foi escrito na coluna publicada anteriormente, é urgente a implantação de políticas públicas eficientes que possam conferir igualdade de condições a todos os brasileiros. Caso contrário, continuaremos sendo uma nação atrasada socialmente, que negligencia o seu povo e ignora a sua história.


Para ir além

Altiva Pilatti Balhana; Brasil Pinheiro Machado; Cecília Maria Westphalen: História do Paraná.

Altiva Pilatti Balhana. Um Mazzolino de Fiori – Volumes I, II e III.

Ruy Wachowicz: História do Paraná

Bruna Portela: tese publicada em 2014, intitulada “Gentio da terra, gentio da guiné : a transição da mão de obra escrava e administrada indígena para escravidão africana”

Romário Martins: História do Paraná.

Consultoria com historiadora e professora Joseli Mendonça e do historiador Aimoré Índio do Brasil Arantes.

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