Um século de luta contra a sub-representatividade feminina na política

Em ano de eleições, o Plural traz um resgate histórico da saga das mulheres para ocupar cargos públicos que lhes são de direito

Há pouco mais de 100 anos, o voto era um privilégio que contemplava poucos cidadãos. As mulheres, a quem se atribuía apenas os papeis de mãe e dona de casa, possuíam pouco ou nenhum espaço na esfera social, menos ainda o direito de escolher quem poderia as representar. Em 1893, a Nova Zelândia seria o primeiro país a permitir o sufrágio feminino, e logo em seguida a Austrália, em 1902.

No Brasil, apenas em 1932, com a aprovação do Código Eleitoral, é que foi rompida a restrição de gênero nas eleições. Avanço integrado à Constituição de 1934, do governo Getúlio Vargas (1930-1945). Uma conquista dos movimentos feministas, que já lutavam e levantavam debates desde o final do século 19.

No âmbito estadual, o Rio Grande do Norte foi pioneiro. Ainda em 1927 foi aprovada a Lei Estadual 660, em 25 de outubro, extinguindo a barreira de gênero para o exercício do voto. No mesmo ano, a professora Celina Guimarães, residente de Mossoró (RN), foi a primeira a exigir o alistamento.

No ano seguinte, Elzira Soriano é eleita a primeira prefeita mulher da América Latina, no município de Lages (RN), com mais de 60% dos votos. Já em 1934, com a política nacional, Carlota Pereira de Queiroz se torna a primeira deputada federal do Brasil.

Essa busca do reconhecimento da cidadania política e da igualdade de direitos para as mulheres se tornou motor de grandes mudanças na sociedade. No artigo científico “Lutas das mulheres pelo direito de voto”, publicado pela Universidade dos Açores, Maria Zina Abreu diz que “as sufragistas argumentavam que as vidas das mulheres não melhorariam até que os políticos tivessem de prestar contas a um eleitorado feminino”. O que colaboraria para a redução das desigualdades legais, econômicas e educacionais.

“Apesar de suas lutas e posicionamentos, os movimentos não tentaram revolucionar o papel da mulher na sociedade, porém, reformá-la, de modo que se tornasse mais justa e igualitária. Isto é, mais do que quebra dos paradigmas, as mulheres buscaram reformar leis para poderem atuar com as mesmas oportunidades e direitos concedidos aos homens”, é o que dizem a estudante do curso de Ciência Política da Uninter Rafaela Castro e o professor da Escola de Gestão Pública Jurídica Política e Segurança (ESGPPJS) Carlos Simioni.

Ambos discutem o tema no artigo “Movimentos feministas, mulheres e a sub-representatividade: uma fronteira entre o estado e a sociedade”, que busca compreender o motivo pelo qual os direitos das mulheres, embora legalmente assegurados, na prática ainda não são garantidos, em uma sociedade que deveria ser justa, igualitária e democrática.

Cotas eleitorais

De acordo com Castro e Simioni, as políticas públicas são respostas do governo às demandas sociais específicas. “Historicamente, as lutas reivindicatórias dos movimentos de mulheres e feministas se direcionaram à conquista da cidadania de forma propositiva, na articulação e implementação de políticas públicas de gênero na sociedade brasileira”.

A introdução das mulheres no mercado de trabalho e a liberdade política no país, a partir de 1970, fortaleceram estas lutas. Nas duas décadas seguintes os movimentos tiveram papeis fundamentais ao propor e articular políticas públicas, consolidar mecanismos de visibilidade, de garantia de direitos, autonomia e fortalecimento das mulheres nos espaços públicos e privados da sociedade brasileira.

No entanto, ainda era necessária a garantia de inserção das mulheres na atividade política. Para isso, foram criadas cotas eleitorais de gênero. Em território brasileiro, esta política foi empregada nas eleições de 1996, mas só na edição da Lei Eleitoral nº 9.504/1997 é que foi colocado a cada partido a reserva de 30% e máximo de 70% nas candidaturas de cada sexo. Ainda assim, somente a redação da Lei nº 12.034/2009, em seu art. 10, estabeleceu os novos termos do que foi intitulado “cota de gênero”.

“As cotas eleitorais no Brasil podem ser consideradas uma medida de política pública, uma vez que buscam garantir os direitos de uma minoria específica. No entanto, sem efetividade, inclusão e aceitação, pouco beneficiam as mulheres.”

 CARLOS SIMIONI, PROFESSOR DA ESCOLA DE GESTÃO PÚBLICA JURÍDICA POLÍTICA E SEGURANÇA (ESGPPJS), e Rafaela Castro, ESTUDANTE DO CURSO DE CIÊNCIA POLÍTICA DA UNINTER, no artigo “Movimentos feministas, mulheres e a sub-representatividade: uma fronteira entre o estado e a sociedade”.

Vale destacar algumas das mudanças e avanços da mulher nos governos Lula (2013-2010) e Dilma Rousseff (2011-2016). Em 2003, tem-se a criação da Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM), Lei nº 10.683. O estabelecimento da Coordenação da Diversidade, em 2012, também é um marco, tendo em vista a promoção de “políticas públicas que contemplassem as especificidades e diferenças das mulheres, promovendo o combate a preconceitos e discriminação”.

O Decreto n.º 8.030/2013 estruturou a SPM, com as Secretarias de Políticas do Trabalho e Autonomia Econômica das Mulheres, da Secretaria de Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres, da Secretaria de Articulação Institucional e Ações Temáticas e o Conselho Nacional de Direitos da Mulher.

Assim, o Plano Nacional de Política para as Mulheres destaca ações que contribuam para a quebra da desigualdade e a valorização da mulher no desenvolvimento do país, além de fortalecer a participação nos espaços de poder e decisão. “No que concerne à participação política das mulheres no Brasil, destaca-se a reeleição de uma mulher para a Presidência da República, que viria a ser um marco histórico, bem como incentivo para outras mulheres que desejassem ingressar na esfera pública, executiva ou legislativa”, lembram os autores.

Financiamento de campanha

Nas eleições de 2018, o Tribunal Superior Eleitoral, pela Resolução TSE nº 23.553/2017, estabeleceu que os partidos políticos destinem ao financiamento de campanhas de suas candidatas no mínimo 30% do total de recursos do Fundo Partidário, visando coibir candidaturas apenas para preencher cota.

Em 2020, a Emenda Constitucional nº 97/2017 vedou a celebração de coligações nas eleições proporcionais para a Câmara dos Deputados, a Câmara Legislativa, as assembleias legislativas e as câmaras municipais, “devendo cada partido, individualmente, indicar o mínimo de 30% de mulheres filiadas para concorrer ao pleito”.

“Os recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) e do Fundo Partidário, se empregados de forma ilícita ou se observados desvios de finalidade, responsáveis e beneficiários estarão sujeitos à sanções do artigo 30-A da Lei nº 9.504/1997. Comprovados captações ou gastos ilícitos de recursos, para fins eleitorais, será negado diploma ao candidato, ou cassado, se já houver sido outorgado”.

No entanto, incluir as mulheres sem espaço para se expressarem se torna uma política apenas simbólica. Apesar de constituírem maior parte do eleitorado brasileiro, elas estão longe de se elegerem na mesma proporção do que os homens. Dados do Cadastro Eleitoral do Tribunal Superior Eleitoral apontam que as brasileiras contabilizam 77 milhões de eleitoras, sendo 52,5% do total.

Destas, apenas 9.204 concorreram nas eleições de 2018, tendo 290 sido eleitas, número que representa um aumento de 52,6% em relação a 2014. No mesmo ano, 77 parlamentares foram eleitas para a Câmara dos Deputados, crescimento de 51% em relação ao último pleito. Nas assembleias legislativas, 161 representantes, um aumento de 41,2%. E no Senado Federal, sete mulheres eleitas, representando 13% dos parlamentares.

Ainda que a participação feminina esteja crescendo, para que as mulheres façam a diferença é importante a garantia de condições de trabalho e influência para que os debates sobre representatividade política feminina avancem.

“A sub-representação feminina na política gera consequências que se refletem na idealização, construção e execução de políticas públicas que considerem as questões do ser mulher. As cotas eleitorais pouco contribuem para a efetivação das mulheres em cargos do governo brasileiro. Além disso, muitas candidatas que aderem às cotas partidárias são consideradas ‘laranjas’, não possuem interesse em pleitear cargo político, não fazem campanha, não obtêm votos qualificados, apenas cumprem o coeficiente legalmente exigido dos partidos no processo eleitoral”, concluem Castro e Simioni.

Orientador: professor Mauri König (jornalista e professor)

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