“Ouvir as pessoas e trabalhar a serviço delas é a missão do jornalismo”, aponta Annelize Tozetto

A fotojornalista paranaense, que tem grande atuação na cobertura política e na fotografia de teatro, conta um pouco mais sobre sua história

Ouvir as pessoas e trabalhar a serviço delas parece que é o fio condutor do entendimento de Annelize Tozetto sobre o jornalismo. Nesta entrevista, a fotógrafa conta o que a motivou a fazer faculdade de jornalismo e como o curso contribuiu para a formação de um olhar mais crítico.

Annelize é nascida em Ponta Grossa (PR), formada pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) e pós-graduanda em Fotografia como Suporte para a Imaginação. Hoje, reside na cidade de São Paulo, onde trabalha como assessora parlamentar. Em agosto, ela participou como convidada na mesa ´Fotografia e Política´, durante a III Semana da Fotografia da Uninter.

Acompanhando seu trabalho no Instagram @annelizetozetto, percebemos que você tem uma atuação na fotografia que transita em diferentes vertentes. Mas como foi seu começo na fotografia?

Annelize Tozetto: Sou jornalista de formação. Escolhi fazer o jornalismo porque era o mais próximo da fotografia. Lembro de ter pesquisado algumas faculdades, algumas até fora da minha cidade, mas meus pais não teriam condições de me bancar em uma mudança para um lugar muito distante. Minhas opções eram tentar fazer em Curitiba, ou em Ponta Grossa, onde eu morava, o que seria o ideal. Minha escolha, então, foi a UEPG. Na faculdade desenvolvi bem a escrita jornalística e me apaixonei pelo jornalismo literário, que é muito conectado com o que faço na fotografia. Depois que me formei eu fiz um curso de fotografia pelo Centro Europeu para conseguir aprender na prática outras formas de fotografar. E nesse meio tempo, comecei a fotografar peças teatrais. Fui aprovada em uma seleção para fotografar o Festival de Teatro de Curitiba. E ainda em tempo de faculdade, cheguei a fazer estágio na área de assessoria política. Então nasceu tudo junto, praticamente: a fotografia de teatro e a fotografia de movimentos políticos. Eventualmente fazia ensaios, festas, para levantar uma grana, afinal, eu precisava pagar as contas. Claro que também era prazeroso, fotografei muitos amigos e me divirto fazendo isso. Então, sempre mesclei um pouco de tudo. Hoje cada vez mais quero me voltar para projetos e documentários. É bom uma virada de chave, mas sempre com a fotografia como prioridade.

A política e o teatro são minhas grandes paixões, até porque o teatro é político. A arte é política.

Então a vertente de fotografia política começou nos tempos de faculdade?

Sim, comecei a fotografar na área da política em tempo de estágio. Fiz a cobertura de uma campanha do Partido Verde (PV) e na época não foi a melhor experiência do planeta, tanto que eu dizia que não queria mais isso na minha vida. No entanto, em 2012 eu voltei e voltei muito ligada. O trabalho com o teatro nessa época estava bem intenso e me dividi para cobrir duas campanhas, uma em cada cidade. E hoje atuo como assessora parlamentar. Então desde sempre estive envolvida com a política. Não caí de paraquedas nesse meio. A política e o teatro são minhas grandes paixões, até porque o teatro é político. A arte é política.

E o jornalismo não é isento, a fotografia não é isenta, tudo que faço parte de um recorte do meu olhar.

Alguma vez você já sentiu que seu trabalho relacionado à política atrapalhou algum trabalho de outra natureza?

Talvez não tenha nem chegado algum trabalho por conta do meu posicionamento político. O meu perfil de trabalho no Instagram, atualmente, deixa tudo super à mostra. Hoje meu perfil pessoal é separado do profissional, afinal é bom manter um pouco de privacidade. Há alguns anos, postava menos coisas relacionadas à política e nem usava tanto o Twitter. Mas hoje eu consigo expressar melhor o lado em que estou. Meu trabalho me permite isso. A fase do receio de me posicionar já passou. Agora está bem claro, sou uma fotógrafa de esquerda. E o jornalismo não é isento, a fotografia não é isenta, tudo que faço parte de um recorte do meu olhar.

A faculdade de Jornalismo foi importante na formação do seu olhar nas ruas?

Sim, com certeza. A faculdade em si me trouxe muitas questões. Eu era uma menina do interior do Paraná, que cresceu com valores cristãos, quase fundamentalistas. A faculdade me permitiu mudar a minha visão de mundo. Quando participei do Movimento Estudantil, na Executiva Nacional dos Estudantes de Comunicação Social, aí eu me encontrei. Foi quando eu entendi que o Jornalismo serve também para fazer a diferença na vida das pessoas, serve para informar, mas também para questionar e cobrar respostas do poder público.

Em relação à presença da mulher no fotojornalismo, como você vê esse cenário? Sabemos que em algumas outras áreas, como no esporte, a presença da mulher na fotografia ainda é rara.

Acredito que a popularização da fotografia ajudou a aumentar o número de mulheres fotografando nas ruas. Temos ótimas referências de fotógrafas, por exemplo a Gabriela Biló que faz um trabalho incrível e está lá em Brasília. Mas é certo que ainda existem muito mais homens nessa categoria. Tem a questão do assédio que é real, acontece muito. E na rua a disputa por um espaço na cobertura de movimentos, por exemplo, é acirrada. Ser mulher, ser baixinha como eu, é um desafio maior na disputa por espaços na rua.

Você já sofreu algum preconceito, por ser mulher, enquanto fazia coberturas políticas?

Já aconteceu. Tinha ido para o Paraná, para fazer uma cobertura do Guilherme Boulos. E aí ouvi alguns comentários, perguntas dos rapazes que já atuavam ali há mais tempo, do tipo “Você já fez alguma cobertura ao vivo?”, “Sabe fotografar ao vivo?”. Simplesmente, me olharam de cima a baixo e deduziram que eu não soubesse. E ali eu já tinha grande experiência, anos de formada nas costas. Poderiam ter me abordado de uma outra forma. Mas passou essa primeira impressão e hoje temos uma boa relação. Eu também já cheguei a ser proibida de fotografar um evento por causa da cor do meu cabelo. Disseram que eu estava chamando muita atenção. Foi bem constrangedor esse episódio.

Como aconteceu o convite para atuar como assessora parlamentar?

Em 2019 tinha ido passar o carnaval no Rio de Janeiro. Estava lá quando completou um ano da morte de Marielle Franco, dia 14 de março, e fotografei os atos que aconteceram nessa data. Dali fui para São Paulo e a Isadora Penna havia tomado posse como deputada estadual. Eu a conhecia por conta do PSOL, mas não éramos tão próximas. Mandei uma mensagem para ela, dando os parabéns e desejando boa sorte. Dois dias depois, era um domingo, ela me mandou uma mensagem e eu levei um susto. Na mensagem ela dizia que precisava falar comigo. Senti logo um frio na barriga. Em seguida ela me ligou e falou a respeito da vaga. E quando ela terminou de explicar, eu já disse: “ok, eu topo”. Fiz a entrevista no domingo mesmo e em uma semana já estava no cargo. E estou adorando. Estou aprendendo muito, acompanho a Isa em todos os lugares. Hoje conheço bem a cidade de São Paulo, o estado de São Paulo. Fico emocionada por fotografar as transformações e todo esse movimento. Isso é o que realmente me move nessa profissão.

Nosso papel é informar e é também conscientizar a população. É para as pessoas que a gente trabalha.

Você consegue perceber um clima diferente entre as manifestações que acontecem neste governo em comparação aos anteriores?

Sim, muita coisa mudou. O governo federal é um desserviço, para começo de conversa. É horrível toda essa confusão que se causa para desviar a atenção do povo. Os profissionais estão ali trabalhando e qualquer trabalhador, de qualquer área, merece respeito. E toda essa questão das fake news e a forma como nosso trabalho é deturpado só prejudica a sociedade. Então a gente vê o povo nas ruas mais intolerante, mais agressivo. Os jornalistas são agredidos moralmente, fisicamente. Mas acredito que o que a gente não pode deixar acontecer é a perda da essência do jornalismo. Nosso papel é informar e é também conscientizar a população. É para as pessoas que a gente trabalha.

Que cobertura política foi a mais impactante para você? Aquela que te fez voltar para casa diferente?

O trabalho de conclusão de curso na faculdade de Jornalismo, sobre moradias em área de risco, foi o primeiro grande marco. Fiz um livro reportagem em parceria com o meu amigo Saulo. Passamos um ano acompanhando três famílias. Isso me fez entender muito sobre como funciona uma cidade, sobre tantas injustiças que acontecem, esse processo todo me transformou. E um momento mais recente que eu destaco, e até comentei na mesa da III Semana da Fotografia da Uninter, foi fotografar a Erundina votando no primeiro turno nas eleições de 2020 e fazer toda a cobertura da campanha no segundo turno. Ela move multidões em São Paulo. Foi muito emocionante testemunhar isso. Olho com imenso carinho para essas fotos. Uma senhora com 86 anos, em meio a uma pandemia, firme, indo votar, foi lindo. Se eu tiver um terço da garra dessa mulher, estarei feliz da vida. A presença da Erundina é realmente transformadora.

Que episódio histórico você gostaria de ter presenciado para registrar com suas lentes?

A Revolução Russa de 1917, pelas mulheres revolucionárias já que pelos homens tem muita história já contada. E um outro episódio seria a Revolução Cubana. Bem suave, não é? Destacando um momento brasileiro, seria o movimento das Diretas Já.

Que conselho você deixa para os profissionais iniciantes na área de Comunicação?

O meu conselho é: sejam pessoas legais. Na época da elaboração do meu trabalho de conclusão do curso, em conversa com uma pessoa que morava em situação de risco, a Tereza, ela falava sobre o fato de profissionais fotografarem e irem embora, sem terem um mínimo de contato com a realidade deles. Isso ficou na minha memória. Depois de um tempo a Tereza se mudou e não consegui mais encontrá-la. Gostaria muito de saber como ela está. Acho que a fotografia, o jornalismo, as artes, precisam chegar até as pessoas, deve existir este compromisso. As histórias das pessoas são importantes. Não somos donos da verdade, não sabemos tudo. Ouvir as pessoas de coração aberto faz você enxergar muitas coisas além da sua realidade, do seu mundo. Pude me redescobrir jornalista através desse trabalho que tenho feito no parlamento. Como disse antes, o jornalismo é feito de pessoas para pessoas. Imagine que você possa resolver algumas questões da vida das pessoas através do jornalismo. Passar a ouvi-las com humildade foi o que fez toda a diferença no meu trabalho. Não é uma missão fácil, mas não deixem de acreditar que é possível.

Orientação: Marcia Boroski (professora e jornalista).

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